A Solidariedade Por Similitudes E A Consciência Coletiva
Sociologia

A Solidariedade Por Similitudes E A Consciência Coletiva


''O conjunto das crenças e dos sentimentos comuns à média dos membros de uma mesma sociedade forma um sistema determinado que tem vida própria; podemos chamá-lo de consciência coletiva ou comum. Sem dúvida, ela não tem por substrato um órgão único; ela é, por definição, difusa em toda a extensão da sociedade, mas tem, ainda assim, características específicas que fazem dela uma realidade distinta. De fato, ela é independente das condições particulares em que os indivíduos se encontram : eles passam, ela permanece.''
A obra ''De La Division Du Travail Social'' ( ''Da Divisão Do Trabalho Social'') de Émile Durkheim, particularmente no seu capítulo segundo, intitulado ''Solidariedade Mecânica Ou Por Similitudes'', discorre acerca da relação, em uma sociedade caracterizada pela solidariedade mecânica, entre as paixões privadas e as paixões públicas.Para Durkheim, as sociedades primitivas foram marcadas por uma divisão social do trabalho alicerçada na solidariedade mecânica, ou seja, aquela na qual a similitude entre os indivíduos componentes do corpo social é a marca principal.Do autor também é a tese de que, em tais sociedades, o Direito Penal ou repressivo predomina no ordenamento jurídico.Assim, a concepção de crime é fundamental : ''O vínculo de solidariedade social a que corresponde o direito repressivo é aquele cuja ruptura constitui o crime.Chamamos por esse nome todo ato que, num grau qualquer, determina contra seu autor essa reação característica a que chamamos pena.Procurar qual é esse vínculo é, portanto, perguntar-se qual a causa da pena, ou, mais claramente, em que consiste essencialmente o crime''.Na busca da essência do crime, o autor entende-o como sendo fortemente relacionado às paixões da própria consciência social, já definida acima por ele : ''Portanto, é como se se dissesse que as sociedades julgam as regras necessárias porque as julgam necessárias.O que precisaríamos dizer é por que as julgam assim.De fato, a única característica comum a todos os crimes é que eles consistem - salvo algumas exceções aparentes, que serão examinadas mais abaixo - em atos universalmente reprovados pelos membros de cada sociedade.Ora, a realidade do fato que acabamos de estabelecer não é contestável; isso significa que o crime melindra sentimentos que se encontram em todas as consciências sadias de um mesmo tipo social.Evidentemente, ela [ a imoralidade ] só pode provir de uma ou várias características comuns a todas as variedades criminológicas; ora, a única que satisfaz essa condição é essa oposição existente entre o crime, qualquer que seja, e certos sentimentos coletivos.Portanto, é essa oposição que faz o crime, estando muito longe de derivar dele.Em outras palavras, não se deve dizer que um ato ofenda a consciência comum por ser criminoso, mas que é criminoso porque ofende a consciência comum.Não o reprovamos por ser um crime, mas é um crime porque o reprovamos''.Émile Durkheim defende que, em uma sociedade regida pela solidariedade macânica, as ações humanas são influenciadas sobremaneira pelas paixões privadas; todavia, estas últimas são fruto das paixões do organismo social, através da consciência comum.As respostas ao crime seriam, sobretudo, determinadas pelas paixões, sendo assim desproporcionais à amplitude do crime levado a cabo : ''Em primeiro lugar, a pena consiste numa reação passional.Embora o ato criminoso seja certamente prejudicial à sociedade, nem por isso o grau de nocividade que ele apresenta é regularmente proporcional à intensidade da repressão que recebe.No entanto, uma crise econômica, uma jogada na Bolsa, até mesmo uma falência podem desorganizar o corpo social de maneira muito mais grave do que um homicídio isolado.Sem dúvida, o assassinato é sempre um mal, mas nada prova que seja o mal maior.O que é um homem a menos na sociedade ? O que é uma célula a menos no organismo ? Mas nós sabemos que apenas a lesão de interesses, mesmo que estes sejam consideráveis, não basta para determinar a reação penal; além disso, ela precisa ser sentida de uma certa maneira.Por que, aliás, o menor dano ao órgão governamental é punido, ao passo que desordens muito mais temíveis em outros órgãos sociais são reparadas civilmente ?''O autor acredita que a consciência coletiva das sociedades primitivas foi grandemente influenciada por antecedentes históricos e pela religiosidade : ''Os sentimentos coletivos a que corresponde o crime devem, pois, singularizar-se dos outros por alguma propriedade distintiva : devem ter uma certa intensidade média.Eles não são apenas gravados em todas as consciências : são fortemente gravados.Não são veleidades hisitantes e superficiais, mas emoções e tendências fortemente arraigadas em nós.Produto do desenvolvimento histórico, ele traz a marca de cirscunstâncias de sorte que a sociedade atravessou em sua história''.Até mesmo o juiz sentenciaria influenciado pelas próprias paixões (que por sua vez seriam resultado das paixões públicas) : ''Basta, aliás, ver nos tribunais como a pena funciona, para reconhecer que seu móvel é totalmente passional; porque é a paixões que se dirigem tanto o magistrado que acusa, como o advogado que defende.Este procura suscitar a simpatia pelo culpado, aquele, despertar os sentimentos sociais que o ato criminoso ofendeu, e é sob a influência dessas paixões contrárias que o juiz pronuncia sua sentença''.Durkheim pensa que a pena satisfaria as paixões privadas porque, antes disso, ela satisfaz as paixões publicas, ou seja, aquelas da coletividade.Para o autor, diante do crime, a sociedade se mobiliza : ''Quanto ao caráter social dessa reação, ele deriva da natureza social dos sentimentos ofendidos.Dado que estes se encontram em todas as consciências, a infração cometida provoca, em todos os que a testemunharam ou que sabem da sua existência, uma mesma indagação.Todo o mundo é atingido, logo todo o mundo se eleva contra o ataque.A reação não só é geral, como é coletiva, o que não é a mesma coisa; ela não se produz isoladamente em cada um, mas com um conjunto e uma unidade, variáveis, por sinal, conforme os casos.De todas essas impressões similares que se trocam, de todas as cóleras que se exprimem, desprende-se uma cólera única, mais ou menos determinada, conforme o caso, que é a de todo o mundo sem ser a de ninguém em particular.É a cólera pública''.A relação entre passionalidade privada e passionalidade pública seria, desta forma, sintetizada pelo postulado lapidar da sociologia durkheimiana : ''Cada um é arrastado por todos''.




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