ciência política e história
Sociologia

ciência política e história


[Ed Clark.
Paris, 1946.
Life] 

Adriano Codato et al.

Uma inspeção rápida do que se vem produzindo na Ciência Política brasileira constatará que os estudos tem se caracterizado cada vez mais pelo ?presentismo?. Isso não se deve apenas ao fato de os objetos de pesquisa serem cada vez mais contemporâneos dos pesquisadores, mas à perda da dimensão histórica das problemáticas e das análises.

Mesmo sem assumir o desafio proposto por Tilly (1985) há mais de duas décadas, voltar a estudar ?grandes estruturas? e ?processos de larga escala? a fim de produzir ?enormes comparações?, a abordagem histórica permite um ganho considerável para o cientista político. Através dela consegue-se sugerir interações entre sequências causais que convergem num determinado momento e que podem explicar eventos específicos. É o caso do estudo de ?conjunturas críticas? (como colapsos de regimes políticos, por exemplo) ou de investigações interessadas na reconstrução da sócio-gênese de um fenômeno ou instituição política. Modelos muito formalizados, postulados teóricos universais e tipologias abstratas tendem a perder relações causais mais complexas, ignorar hipóteses válidas, desconsiderar importantes processos políticos e o modo pelo qual afetam o mundo social. Daí a importância do cientista político olhar não para o passado, mas, como advertiram Pierson e Skocpol (2002), para ?processos ao longo do tempo?.

Essa volta aqui sugerida tem a ver então com a necessidade de recuperar a dimensão histórica para os estudos políticos. Nesse movimento, deve-se, todavia, evitar ao máximo três estilos discutíveis de retorno à história: o estudo do passado por si mesmo, esforço que em geral termina em descrições de fenômenos únicos e de interesse limitado no tempo e no espaço; o estudo do passado a fim de encontrar indícios, evidências ou exemplos para ilustrar e confirmar uma teoria ou um modelo explicativo construído a priori; e o estudo do passado como um depósito onde se buscam casos para comparação com problemas do presente, esses sim objetos de interesse efetivo.

Nos últimos anos, na cena acadêmica internacional, vem-se observando uma revitalização de estilos de teorização política informados pelo conhecimento histórico. Mesmo num contexto em que há um predomínio na Ciência Política de disposições naturalizantes e de reflexões descontextualizadas, as abordagens historicistas da Teoria Política vêm-se apresentando como alternativas à polarização entre as modalidades de teorização de natureza estritamente instrumental (em que a teoria desempenha o papel subordinado de simples meio para o balizamento de pesquisas empíricas), e as modalidades estritamente filosófico-normativas (em que a teoria destina-se à afirmação de modelos ideais de sociedade ou de ordens jurídico-políticas).

Exemplo desta confluência entre Ciência Política e História no domínio da teoria pode ser acompanhado no novo fôlego dos estudos sobre teoria política republicana. Nas décadas recentes eles assumiram um contorno em que a teoria política normativa nutre-se de estudos sobre as idéias do passado, ao passo que a história (especificamente a história do pensamento político) utiliza-se do ferramental teórico elaborado pelos politólogos para manusear seus próprios objetos de estudo. Além disso, a história do pensamento político produz, ao ser escrita, teoria política, fornecendo ao analista contemporâneo um manancial de consulta que auxilia na resposta aos problemas atuais, já que promove a desnaturalização das noções políticas que esposamos atualmente, permitindo novos cursos de ação e de ideias (Skinner, 1996; Pettit, 1997).

Do lado das análises empíricas em Ciência Política, há um movimento na mesma direção, seja por parte dos estudos apoiados no neo-institucionalismo histórico, seja nas análises que enfatizam a dependência da trajetória histórica para a compreensão de determinados fenômenos políticos (path dependence). Todavia, não se trata apenas de reconhecer que ?a história importa?, isto é, que escolhas feitas no passado produzem efeitos mais adiante, preceito que vale tanto para firmas privadas quanto para Estados nacionais. A virada histórica que desde o início da década vem influenciando cientistas políticos empiricamente orientados pretende significar uma mudança teórica mais profunda e mais radical que a do neo-institucionalismo histórico. Como resumiu Paul Pierson (2004), o entendimento de processos e práticas políticas implica em comutar o foco centrado em grandes leis causais para estudos de mecanismos sociais específicos. As explanações daí derivadas estão baseadas em hipóteses formuladas explicitamente sob certas condições limitantes, que são ?tempo? e ?lugar?. A vantagem mais evidente desse enfoque é que ele permite contrapor-se a explicações deduzidas de grandes teorias, onde o fato histórico comparece apenas como um exemplo ilustrativo, ou contrapor-se a explicações baseadas em tipologias, em que o caso é classificado (e supostamente explicado) conforme a distância maior ou menor em relação a modelos construídos por abstração a partir de exemplos selecionados como base em critérios eles mesmos discutíveis. Ainda que não seja uma revelação, os preceitos dessa estratégia de análise indicam que pensar em termos de ?tempo? e ?lugar? é pensar em termos de contextos históricos.

Análises desse tipo ? cujo fundamento são teorias de médio alcance, hipóteses verificáveis, e não postulados teóricos universais ? têm encontrado um reforço bastante positivo nas mudanças recentes da História (a disciplina), seja porque voltou à tona a narrativa explicativa, isto é, a procura de respostas nos estudos históricos a uma questão de tipo ?por quê??, seja porque os próprios historiadores, ao que parece, estão novamente atentos, apesar de tudo, para causas, origens e consequências no estudo de acontecimentos discretos (Weinstein, 2003). Resulta portanto que o mais prudente é evitar, para usar a frase publicitária de Yves Déloye (1999), o confronto e o desquite entre ?o arquivo e o conceito?.

Referências

DÉLOYE, Yves. Sociologia histórica do político. Bauru: EDUSC, 1999.
KOSELLECK, R. Futuro Passado. Rio de Janeiro: Contraponto, 2006.
PETTIT, P. Republicanism: A Theory of Freedom and Government. Oxford: Oxford University Press, 1997.
ROSANVALLON, P. Por uma história conceitual do político (nota de trabalho). Revista Brasileira de História, vol. 15, n. 30, 1995.
SKINNER, Q. As fundações do pensamento político moderno. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.
TUCK, R. História do pensamento político. In: BURKE, Peter. (org.). A escrita da história: novas perspectivas. São Paulo: Editora UNESP, 1992.
PIERSON, Paul e SKOCPOL, Theda. Historical Institutionalism in Contemporary Political Science. In: Katznelson, Ira & Milner, Helen V. (eds). Political Science: State of the Discipline. New York: W.W. Norton, 2002, p. 693-721.
PIERSON, Paul. Politics in Time: History, Institutions, and Social Analysis. Princeton e Oxford: Princeton University Press, 2004.
TILLY, Charles. Big structures, large processes, huge comparisons. New York: Russell Sage Foundation, 1985.
WEINSTEIN, Barbara. História sem causa? A nova história cultural, a grande narrativa e o dilema pós-colonial. História, vol. 22, n. 2, p. 185-210, 2003.
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