Dia Internacional das Mulheres: uma pausa para reflexão da dominação masculina em elementos sutis*
Sociologia

Dia Internacional das Mulheres: uma pausa para reflexão da dominação masculina em elementos sutis*



Por Cristiano Bodart


Datas internacionais são, em muitos casos, não momentos de comemorações, mas de denúncias de injustiças ainda latentes no mundo moderno; e o dia Internacional das Mulheres é uma dessas datas. No caso da dominação masculina, tais denúncias devem desnaturalizar a posição de inferioridade da mulher na sociedade.

A denúncia deve ter como foco desnaturalizar, uma dominação masculina que se manifesta de forma sutil e que se materializa de forma concreta. A divisão entre sexos se manifesta, muitas vezes, de forma sutil, porém eficiente para reproduzir a dominação masculina objetiva (quero me ater a esse tipo de dominação). Tal dominação notamos presente, por exemplo, na casa, onde as partes são ?sexuadas?, sendo algumas vistas como tipicamente masculinas (sala) e outras tipicamente femininas (cozinha).O mesmo vale para profissões.



Quase não notamos a sutileza de muitas coisa e atividades que são sexualizadas, as quais marcam uma oposição camuflada entre masculino e feminino, como as noções de em cima/embaixo, frente/atrás, seco/úmido, quente/frio. Ao homem desejoso por sexo se diz: ?você está pegando fogo?; à mulher, ao contrário, se diz que têm a capacidade de ?apagar o fogo?, indicando quase sempre servidão ao homem, ou ainda ?você está toda molhada?, como se lubrificação fosse de exclusividade das mulheres, embora a tenha com maior intensidade. Expressões como ?ativo? e ?passivo? está igualmente relacionada a dominação masculina, assim como por cima e por baixo. Ainda que em um relacionamento homoafetivo, o passivo será aquele que está em condição feminina. A ideia de possuir está associada ao masculino, assim como a ideia de poder e de tomar para si. Nas relações sociais em nossa machista sociedade, cabe ao homem possuir e a mulher jogar o jogo de se deixar ou não ser possuída. O ato sexual é visto, para os que estão em condições masculinas, como ?conquista? e dentre as pessoas em condições femininas como ?possuída?; por isso as comuns e horríveis expressões: ?dar? e ?pegar?.

Em uma sociedade onde o gozo masculino é, antes de tudo, gozo do gozo feminino, ou seja, do poder de fazer gozar, de mostrar-se viril, podemos afirmar que ela [a sociedade]está longe de ser igualitária. O ato de penetração, por exemplo, é símbolo de dominação, tanto que em casos de um homem ser forçado a receber penetração a dor maior se manifesta não de forma física, mas simbólica, pois ele foi ?feito mulher?, perdeu sua posição de dominante e passou a ser dominado (pena comum aplicada por detentos à estupradores ? ?o fizeram mulherzinha?).

A questão da virilidade, que tem seu significado vindo da ideia de ?qualidade da virtus, da honra?, que seria o princípio de conservação e do aumento da honra, está associada à prova masculina de potência sexual que se confirma muitas vezes com a defloração e com o apetite sexual aflorado. Para as mulheres o apetite sexual acentuado não é visto como virilidade, mas como um comportamento ?pervertido?. No comportamento feminino, os braços devem estar cruzados sobre o peito e as pernas unidas simbolizando a barreia sagrada que protege seu órgão sexual socialmente constituída em objeto sagrado submetida a regras de acesso de contatos também sagrados. Assim espera-se das mulheres. Não que eu seja favorável a ?libertinagem sexual? feminina, mas torna-se necessário denunciar a ?libertinagem? masculina que, no fundo, é a manifestação e concretização de seu desejo de dominação sobre as ?mulheres-coisas?.

Espero que não seja apenas no Dia Internacional da Mulher que venhamos a (re)pensar as formas de dominação, sobretudo as sutis, para que, entendendo as relações díspares de poder impregnadas por todos os lados, possamos realizar uma efetiva denúncia das práticas e dos símbolos que naturalizam a dominação masculina. 

*Texto publicado originalmente no Jornal "Correio Regional", em 08 de Março de 2013, p.2. (jornal impresso)





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