Não use os talheres
Sociologia

Não use os talheres



    Às seis da manhã toca o despertador. João se levanta, vai ao banheiro lava seu rosto e começa a se arrumar, sai do banho, e ao se trocar sente o cheiro de café que sua mulher preparou. As crianças estão comendo para ir a escola. Todos saem. Marido e mulher para seus respectivos empregos e filhos para o colégio.
     João trabalha oito horas por dia em uma montadora de carros, ele coloca as rodas dianteiras da lateral esquerda de todos os carros que passam por ele. Ao meio dia sai para almoçar, sabe que a mulher faz o mesmo e que os filhos vão para a casa da avó, também para almoçar. A uma hora termina seu almoço, continua seu trabalho.
    Ao sair do serviço passa no mercado, compra o refrigerante preferido pela família e volta pra casa, sua mulher já havia pegado as crianças no curso de informática para o qual a avó os levará, e estava preparando o jantar. O dia fora exaustivo assim como todos os anteriores, seus filhos querem lhe contar o dia, mas, ­?o papai está cansado?, sua mulher pergunta se está tudo bem e como foi o dia, João de forma apática diz que foi tudo ?bem?, apenas mais um como outro qualquer, o jantar é servido, as crianças brincam, sua esposa lava a louça e João..., João assiste televisão.
    Vinte e duas horas, todos para suas camas, afinal de contas o dia de amanhã se aproxima, e João sem expectativa alguma, sabe, exatamente, como será o seu dia.
    Um novo dia nasce, mas o despertador de João tem suas pilhas esgotadas, e se o despertador não toca, ele não levanta, sua mulher não acorda para chamar as crianças e fazer o café, eis que tudo o mais desanda. De repente  João assustado levanta e descobre o avançado da hora, o caos se instala, ele briga com sua mulher e põe nela a culpa de seu atraso, grita com as crianças, e sem tomar café, sai atrasado!
    Chegando no trabalho é repreendido pelo supervisor. Exausto pela correria e com fome, não consegue trabalhar, estressado de mais para se concentrar, atrasa a produção, recebe mais uma repreensão, porém, desta vez, seguida de uma suspenção de um dia com direito a redução salarial pelo prejuízo  causado e pelo dia de serviço que não irá trabalhar, indignado pela incapacidade de compreensão de seu chefe frente ao seu estado emocional, João o agride e é demitido.
    Enfurecido atravessa a rua, quase é atropelado, do outro lado da rua um mendigo pede que o ajude, que lhe compre um pedaço de pão, João o xinga de vagabundo a manda que vá arrumar um  emprego, o homem sentado no chão humildemente lhe diz, ?eu já tive um emprego, mas por uma bobagem, fui demitido?, tomado por um sentimento misto de culpa e de identificação, João se vira e pede desculpas, e ao olhar bem para aquele homem, se imagina em seu lugar, tenta afugentar a imagem mas não consegue, se vê então impelido a convidar aquele homem para oque já seria a hora do almoço.
    Sentados a mesa de um restaurante simples, todos em volta reparam o sujeito maltrapilho e olham-no com desprezo, ambos ignoram o fato. Os dois começam a conversar, João conta seu dia, fala de sua indignação, mas são interrompidos pela comida que chega. Se preparando para dar algumas garfadas antes de retomar seu desabafo, João vê que se companheiro de almoço começa a comer com as mãos e interroga-lhe o ato, eis sua resposta: ? Ouvi o senhor contar sobre o seu dia e um pouco de sua vida, saiba pois o senhor que a minha não foi muito diferente. Eu trabalhava e tinha uma família, a vida não era fácil, nunca foi. Porém, em um dia que parecia como outro qualquer, o destino me surpreendeu. Me atrasei, e assim como o senhor culpei a esposa e briguei com meus filhos. Eu trabalhava em um restaurante, era garçom, e justo nesse dia, uma mulher muito rica, muito elegante disse que os talheres que eu havia servido estavam sujos e que não havia cabimento que eu lhe servisse talheres sujos, então ela me xingou me humilhou e eu não aguentei, despejei nela todo o meu pesar, como ela era cliente rica e influente, eu fui demitido. Voltei para casa depois de beber muito, o jantar estava servido, minha mulher se horrorizou com o meu estado, nós começamos uma briga, meus filhos jantavam mas obviamente pararam por conta da briga, um deles derrubou os talheres no chão, fora de mim, vi os talheres caídos e me lembrei da mulher que até então para mim, provocará minha demissão, tomado de fúria peguei os talheres e comecei a xingar meu filho, disse que ele era um desleixado, que não sabia o valor das coisas e que o faria limpar com a própria boca a sujeira do chão, e comecei a bater nele, minha mulher gritou, tomou-o de minhas mãos, e junto com  os outros filhos saiu de carro. Eles sofreram uma acidente...fatal. E desde então eu vago sozinho me perguntando o porque de tudo isso, foi por causo do relógio que não tocou, ou foi culpa da mulher rica e esnobe com suas regras de etiqueta ou quem sabe então dos talheres sujos? Talvez eu saiba de quem é a culpa, a culpa é minha, é sua, do seu patrão, de nossas esposas, da cliente esnobe e de todos que se permitem importar-se com regrinhas muitas vezes inúteis, como acordar as seis horas ou usar talheres adequados. E essas pequenas regras se tornaram para mim assim como são para você, grandes amarras, essas amarras me distanciaram da minha vida. Por isso eu escolhi viver sem elas, por isso eu como com as mãos, observo as crianças brincarem e não olho no relógio,  sinto o frio da noite e o calor dos dias. Sei que pareço um louco e que poderia estar vivendo mais dignamente, mas é da periferia que eu posso ver a realidade dos homens, sinto que não me encaixaria mais em outro espaço seguindo regras, sendo comandado.  Sou um renegado, e como renegado, rezo para que um dia todos também o sejam, pois quando todos forem, ninguém mais será, e então haverá a igualdade, a justiça, e as únicas regras válidas serão aquelas dos homens e das mulheres livres, livres para amar uns aos outros, livres para não serem cooptados, livres para não usar talheres.?
    João é um cidadão brasileiro, João é um cidadão do mundo.
    João sou eu, e é você, seu pai, sua mãe, seu irmão e seu vizinho.
    Todas as outras personagens fazem parte da nossa realidade, do nosso dia-a-dia. O João está começando a perceber isso, mas oque ele vai fazer depois, ninguém sabe. Bem na verdade, só perguntando pra saber.
    E ai João, vai fazer oque? 

                Ana Teresa _ 1º ano SS noturno



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