O valor das coisas, por Ediovani A. Gaboardi
Sociologia

O valor das coisas, por Ediovani A. Gaboardi



Estou mudando de cidade e por isso tive de fazer uma limpeza geral na minha casa, preparando-me para desocupá-la. Como é estressante decidir o que vai e o que fica, o que vender, o que doar, o que pôr no lixo ... Essa é a hora de decidir qual é o valor das coisas.

Algumas coisas estão velhas, desgastadas, quebradas, mas tudo isso parece converterse em virtude, significando que as mudanças que sofreram as moldaram à nossa personalidade. Algumas são carregadas de história, de lembranças, e então parece impossível não mantê-las consigo.

Algumas coisas são úteis, outras são apenas belas. Mas aí é preciso pensar se serão úteis no novo lugar em que se vai viver. E as coisas belas, são belas em todos os lugares?

As coisas dizem quem nós somos, mas principalmente quem nós não somos, e esse também é seu valor. Compramos um violão ou uma bicicleta ergométrica na intensão de ir além do que somos cotidianamente. Às vezes vamos, às vezes não. As coisas retratam nossos fracassos e nossos sucessos. Quer conhecer alguém, conheça as suas coisas, mas para além de seu valor econômico.

As coisas têm valor enquanto objetos de desejo. Há coisas que compramos pelo valor que adquirem por serem desejadas pelas outras pessoas. Mas quando precisamos decidir o que é realmente importante manter consigo, muitas vezes concluimos que nem sempre os objetos de desejo da grande massa são realmente importantes.

As coisas que preferimos jogar fora são normalmente as mais velhas. Por que estão gastas? Por que não servem mais? Nem sempre. Muitas vezes apenas porque são velhas.Tente vender um móvel usado e verá o valor do velho. A palavra ?usado? quase que anula o valor dos bens de consumo. É como uma mácula, que adere mesmo ao mais bem cuidado dos objetos. O novo pode ser mais fraco, mais feio, mais simples, mas foi abençoado pela virtude da embalagem inviolada. Talvez por isso seja tão difícil cultivar o hábito do reutilizar e reciclar objeto, mesmo diante da crise ambiental que vivemos. A indústria é uma espécie de pia batismal, pela qual os objetos precisam passar para estarem puros ao ponto de poderem ser consumidos.

Mas uma grande alegria que vivemos ao desfazer-se das coisas que ou não queremos ou não podemos carregar ocorre no momento da doação. Muitas vezes temos apenas a intensão mesquinha de livrar-se daquilo que no final das contas se tornou um entulho. Não bastasse a realização desse objetivo, ainda somos brindados com o agradecimento sincero de alguém que se acha ajudado pelo nosso ato. Ainda bem que o que não tem valor para um, muitas vezes tem muito valor para outro.

Mas o mais curioso é aquela situação em que se põe o lixo na rua e rapidamente pessoas o reviram procurando por algo que tenha algum valor. Procuram valor onde não deveria mais haver valor. E encontram. Lembro-me de uma criança que ficou feliz ao encontrar algo, não sei exatamente o que, que repidamente tomou por brinquedo. Deixando de lado a questão social que está em jogo, acho interessante pensar que o valor que damos aos objetos, que se concretiza em seu valor comercial, muitas vezes nos impede de pensar sobre qual é mesmo o valor de cada coisa para nós. Parece que o valor já está dado, é aquele mesmo da etiqueta. Mas o que vale cada coisa mesmo? Aquela criança não havia ainda aprendido que aquilo não valia nada.


Ediovani A. Gaboardi
[email protected]
Professor da Universidade Federal de Rondônia
Ex-professor do Curso de Filosofia da UPF
Fonte: http://www.upf.br/filosofia/images/stories/ediovani-_16_e_17.01.2010.pdf
Imagem:Lu Francesa



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