Sociologia
POSICIONAMENTOS DIFERENTES SOBRE OS ACONTECIMENTOS NO CAMPUS DA USP.
Abaixo, quatro intervenções de acadêmicos da USP sobre os recentes acontecimentos no campus dessa universidade. Em nome do "Estado de Direito" e da defesa do "patrimônio público" dois deles defendem apresença policial; dois outros acadêmicos rejeitam-na.
01. "USP: faz de conta e violência" de JOSÉ ARTHUR GIANNOTTI:
MESMO QUANDO um professor chama a polícia para combater alunos desordeiros, ele simplesmente abdica de sua tarefa de professor; trata-os como se fossem transgressores, esquecendo que precisam ser educados. Porém, tendo os estudantes se associado a grupos baderneiros, não cabia à reitora chamar a polícia para garantir o patrimônio público? Se, entretanto, a reitora pode ter razão nesse ponto, cabe examinar como se chegou a essa crise em que ela deixa de ser professora para vestir o uniforme da repressão. Na tarde de terça-feira, estudantes, funcionários e professores se manifestavam contra a presença da polícia no campus. Alguns extravasaram os limites do bom senso, acuando a polícia, que, reforçada, reagiu com violência. Felizmente só houve feridos. Fora os esquentados de sempre, sobretudo o pessoal da FFLCH(Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Sociais) e da ECA (Escola de Comunicações e Artes), o resto da universidade funcionava normalmente, mantendo o curso das atividades costumeiras. Total esquizofrenia. Como todos não se mobilizaram para impedir a barbaridade do conflito? É evidente que as lideranças atuais perderam qualquer legitimidade. Reiteradamente no mês de maio começam as negociações para reposição salarial e outras reivindicações. O orçamento das três universidades paulistas está bloqueado, sobretudo porque, durante a negociação da autonomia universitária, não se criou um fundo de pensão responsável pelo pagamento dos aposentados. Hoje, eles representam por volta de 30% do orçamento da USP, que, segundo última informação, teria chegado a gastar 85% com pessoal. Obviamente, o restante não basta para tocar uma universidade. A USP estaria falida se não fosse a Fapesp. A falta de recursos disponíveis leva ao impasse. O sindicato def uncionários decreta a greve, algumas unidades diminuem suas atividades, a biblioteca, o "bandejão", a creche e os ônibus circulares param (a greve parece ser contra os estudantes pobres). A maioria, no entanto, continua trabalhando como se nada estivesse acontecendo. Em geral, as lideranças dos professores e dos alunos acabam aderindo. Na base de reivindicações abstratas, a greve se resume a uma triste encenação. Depois de algumas escaramuças, as partes cedem, obviamente sem ônus para os grevistas. Terminada a greve, eles fazem de conta que repõem as atividades retidas. A repetição desse ritual não causaria grandes danos se não abrisse cunhas para a violência. Durante a greve, prédios são ocupados, o patrimônio passa a ser depredado e grupos entram em choque. Até onde vai esse apodrecimento? A indiferença da maioria dos atores termina criando espaço para os ditos "radicais". São aqueles que acreditam piamente que, dado ocaráter repressor do aparelho do Estado, devem mudar, mediante violência, a universidade e o país. Em vez de explorarem as ambiguidades da legislação vigente para mobilizar a sociedade civil visando forçar mudanças nas leis pelas leis, simplesmente se tomam como agentes sem compromissos com a legalidade. Consideram legítima sua violência e espúria qualquer reação. Já que a maioria dos universitários não embarca nesses enganos - eles não se confundem com a sociedade nem acreditam que, no mundo de hoje, uma crise no Estado de Direito pode aprofundar a democracia-, os ditos radicais se isolam de seus representados, transformando uma possível violência política numa simples ação criminosa. Nos últimos anos, cresceu a violência nas três universidades públicas paulistas, assim como aumentou o descrédito das lideranças. O que fazer para evitar o desastre? Não sejamos ingênuos: passada a agitação presente, tudo voltará ao "normal" antigo. A não ser que professores, estudantes e funcionários se mobilizem e assumam a dualidade de suas funções sociais. Se, de um lado, devem ser bons profissionais, de outro, não podemi gnorar suas responsabilidades políticas, inclusive bloquear a burocracia para que possam agir por inteiro. Repensar as pautas fantasiosas que têm marcado as últimas reivindicações é a tarefa mais elementar. No final das contas, que universidade queremos?
JOSÉ ARTHUR GIANNOTTI , filósofo, é professor emérito da Faculdadede Filosofia da USP e pesquisador do Cebrap (Centro Brasileiro deAnálise e Planejamento). É autor, entre outras obras, de "CertaHerança Marxista".
02. "A universidade não é caso de polícia", de VLADIMIR SAFATLE
AS CENAS de batalha campal que vimos nesta semana na USP ficarão na memória daqueles que dedicam sua vida a essa instituição. Vários professores, como eu, que nunca participaram de movimento sindical, que nem sequer foram alguma vez a uma assembleia, veem com estarrecimento a disseminação da crença de que conflitos trabalhistas devem ser resolvidos apelando sistematicamente à polícia. Diz-se que a polícia era necessária para evitar piquetes e degradações. No entanto, tudo o que ela conseguiu foi acirrar os ânimos e aumentar exponencialmente os dois. Vale a pena lembrar que, por mais que sejam práticas problemáticas que precisam certamente ser revistas, os piquetes estão longe de se configurarem como ações criminosas. A história das sociedades democráticas demonstra como eles foram, em muitos casos, peças necessárias de um processo de ampliação de direitos. Cabe a nós provar que esse tempo passou e que, devido à capacidade de diálogo, tais práticas não têm mais lugar. No entanto, quando se tenta reduzir manifestantes que procuram melhorias em suas condições de trabalho a tresloucados patológicos que nada têm a dizer, que não têm nenhuma racionalidade em suas demandas, dificilmente alguma forma de diálogo conseguirá se impor. Melhor seria começar explicando qual racionalidade justifica que a universidade mais importante do país, responsável por parte significativa da pesquisa nacional, tenha salários menores que os de uma universidade federal em qualquer Estado brasileiro.Por outro lado, há algo incompreensível na crença de que a polícia possa ser chamada para mediar conflitos com alunos e funcionários públicos. Muitos acreditam que ligarão para o 190 e receberão uma espécie de"polícia inglesa" capaz de agir de maneira minimamente adequada diante de cidadãos que se manifestam. Contudo, o que vimos até agora foi uma polícia que entrou pela primeira vez no campus armada com metralhadoras, quando a ação padrão deveria ser, nessas situações, agir desarmada. Quem tem uma metralhadora nas mãos imagina que porventura poderá usá-la. Mas contra quem? Contra nossos alunos? E quem decidirá o momento de usá-la? Como se isso não bastasse, uma polícia bem preparada não responde a provocações de gritos e latas com bombas de gás lacrimogêneo e balas de borracha usadas na frente da Escola de Aplicação e de uma faculdade em que, normalmente, há crianças e adolescentes. O que aconteceria se uma bala de borracha atingisse uma criança, ampliando um pouco mais o enorme contingente de balas perdidas disparadas pela polícia? Antes de ligar para a Polícia Militar, valeria a pena levar em conta seu despreparo manifesto em intervenções em conflitos sociais, histórico catastrófico mundialmente criticado por órgãos internacionais. Nenhum leitor terá dificuldade de se lembrar de situações de conflito social nas quais policiais que se sentiram acuados reagiram de maneira descontrolada, provocando tragédias. Por fim, contrariamente a certa ideia que um anti-intelectualismo militante gosta de veicular nestes momentos, vários alunos alvos de balas de borracha são extremamente dedicados em seus cursos, participam sistematicamente de colóquios e programas de pesquisa, apresentam "papers" em congressos e podem ser constantemente encontrados em nossas bibliotecas. Sendo certo que vêm de todas as faculdades de nossa universidade (e não apenas da área de humanas, como alguns querem fazer acreditar), é inaceitável tratá-los como delinquentes potenciais. Dentre os 2.000 estudantes que se manifestaram nesta semana estão alguns de nossos melhores alunos. Em vez de estigmatizá-los, talvez seja o caso de se perguntar contra o que eles se manifestam, já que, é sempre bom lembrar, antes da entrada da polícia, nem professores nem alunos estavam em greve. A greve restringia-se a funcionários. Há um mês, em uma pequena cidade francesa, a polícia recebeu um chamado de possível furto. Em uma atuação "exemplar", ela estava em alguns minutos no local do crime. No entanto, o local era uma escola,o objeto furtado, uma bicicleta, e o possível ladrão, uma criança de dez anos. Sem pestanejar, a polícia retirou a criança da escola na frente de seus colegas, levou-a à delegacia, colheu seu depoimento e a fichou. Possivelmente, foi contra esse modelo social baseado na incapacidade de resolver conflitos sem apelar à mais crassa brutalidade securitária que hoje nossos alunos se manifestam. Cabe a nós mostrar a eles que a história da USP é outra.
VLADIMIR SAFATLE, 36, é professor do Departamento de Filosofia daUniversidade de São Paulo.
Entrevistas:
03. MARIA HERMINIA TAVARES DE ALMEIDA -
FOLHA - Como a sra. analisa a situação na USP?
MARIA HERMINIA - As coisas não começaram ontem [anteontem, dia doconfronto]. Começou com um pequeno grupo de funcionários grevistas, que, ao começar a campanha salarial, já quis ocupar a reitoria. Depois, uma parcela minoritária de alunos, de alguns departamentos, decidiu impedir a entrada dos demais. Como você garante que os alunos que querem ter aula possam ter aula, que os funcionários que querem trabalhar possam trabalhar? Em um Estado de Direito, quem garante a liberdade de acesso e a defesa do patrimônio público é a força policial. Além disso, na televisão, parece que os manifestantes foram atacados sem razão. Mas eles provocaram. O grave é existirem grupos dentro da universidade que apostam em confrontos como esse. Houve uma aposta na radicalização.
FOLHA - Quais são esse setores?
MARIA HERMINIA - A liderança do sindicato dos funcionários [Sintusp] e uma ala do movimento estudantil.
FOLHA - A reitora precisava ter pedido a presença policial?
MARIA HERMINIA - Ela não chamou a polícia, pediu reintegração de posse à Justiça. A reitora estava no seu dever. A reitoria existe para, entre outras coisas, garantir o funcionamento da universidade. Talvez tenha faltado explicar melhor o que estava fazendo.
FOLHA - Como a sra. avalia as reivindicações dos grevistas?
MARIA HERMINIA - Conflito salarial tem em qualquer lugar. Os salários na USP não são excepcionalmente altos, todos sabem. O problema é começar uma negociação sobre salário invadindo o prédio da direção da universidade.
FOLHA - A reitora deveria renunciar?
MARIA HERMINIA - Isso me parece uma reivindicação despropositada. Ela foi eleita, tem mandato até o final do ano.
FOLHA - O confronto expõe um problema estrutural na USP?
MARIA HERMINIA - É ação de uma minoria. A USP funcionava normalmente. Mas grupos reduzidos podem fazer problemas grandes.
Reitora deve renunciar, diz
04. CHICO DE OLIVEIRA
FOLHA - Como o sr. analisa a situação na USP?
CHICO DE OLIVEIRA - O confronto é sinal de decadência das instituições. Uma reitora que chama a polícia, que não sabe administrar conflito de interesses, é mau sinal. A universidade é muito complexa, com uma reitora que acha que solucionar os problemas é fácil. Ela não sabe exatamente o que é a Universidade de São Paulo. Passou a vida num campus no interior[Ribeirão Preto]. Sem nenhum tom depreciativo, mas é um campus restrito. Isso seria relevado se houvesse instituições mais capacitadas na USP. Mas não há, é uma crise geral de representatividade, o sindicato dos professores, por exemplo, é fraco. Não há com quem negociar. O que os funcionários e alunos estavam fazendo que justificaria a presença da polícia? Era um conflito elementar, que vai ocorrer permanentemente. Se o único remédio é chamar a polícia, já cria um destacamento especial dentro da USP. O que estavam fazendo dois helicópteros da PM em cima da Cidade Universitária [no dia do confronto]? É uma grande decadência institucional.
FOLHA - Mas não há uma questão legal? A reitora não tem de zelar pelo patrimônio?
OLIVEIRA - Isso é piada. O que havia era grevista fazendo piquete. É um direito. Acho que a reitora deveria renunciar. É a segunda grande crise, num mandato de quatro anos.
FOLHA - Como o sr. avalia o movimento grevista?
OLIVEIRA - É basicamente de funcionários. Os professores foram quase obrigados a entrar depois dos atos da reitora [após a entrada da polícia na Cidade Universitária].
FOLHA - Como fica a imagem da USP após o confronto?
OLIVEIRA - A universidade passa uma imagem de desleixo, de despreparo. O que não é verdade. A estatística mostra que cresce o número de doutores no país, por meio do trabalho das universidades, inclusive a USP. Isso mesmo com a falta de condições. A ciências sociais, por exemplo, não tem um auditório decente. E é uma área que vive da palavra.
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