Um exemplo de análise sociológica: O ato de tomar uma xícara de café
Sociologia

Um exemplo de análise sociológica: O ato de tomar uma xícara de café


Um exemplo de análise sociológica: O ato de tomar uma xícara de café[1]


Consideremos o simples ato de tomar uma xícara de café. Um evento comum, rotineiro, que realizamos todos os dias de modo quase automático. O que poderíamos dizer, a partir de um ponto de vista sociológico, sobre esse exemplo de comportamento aparentemente desinteressante? Muitas e muitas coisas, afirma o sociólogo Antony Giddens.




Poderíamos assinalar, antes de tudo, que o café é um alimento, ou seja, é um meio de satisfazer uma necessidade biológica dos seres humanos. Por isso, aqui no Brasil, pela manhã ele é acompanhado do pão com manteiga. Ele, com ou sem leite é a bebida ingerida junto com um outro alimento sólido.




Todavia, ele não é somente uma bebida. Ele possui valor simbólico como parte de nossas atividades sociais diárias, sendo, portanto mais que um alimento.
Tanto é que, freqüentemente, o ritual associado a beber café é muito mais importante do que o ato de consumir a bebida propriamente dita. Para muitos ocidentais, a xícara de café pela manhã ocupa o centro de uma rotina pessoal. Ela é um primeiro passo, essencial, para começar o dia. O café bebido de manhã é muitas vezes seguido depois, durante o dia, por um café em companhia de outras pessoas ? a base de um ritual social.
Na realidade, comer e beber, em todas as sociedades, fornecem ocasiões para a interação social e para a encenação de rituais, oferecendo um assunto rico para o estudo sociológico. 

Em terceiro lugar, o café é uma droga, por conter cafeína, que tem um efeito estimulante sobe o cérebro. Muitas pessoas bebem café pelo ?estímulo extra? que ele propicia. Dias longos no escritório e noites de estudo até tarde tornam-se mais toleráveis graças às pausas para um café. O café é uma substância que cria dependência, mas os viciados em café não são vistos pela maioria das pessoas na cultura ocidental como usuários de drogas. 

 
Como o álcool, o café é uma droga socialmente aceita, enquanto a maconha, por exemplo, não é. No entanto, há sociedades que toleram o consumo de maconha ou, até mesmo, de cocaína, mas desaprovam o café e o álcool. Os sociólogos estão interessados no porquê da existência de tais diferenças.

Em quarto lugar, o ato de beber um café pressupõe todo um passado de desenvolvimento social e econômico. Da mesma forma que os outros itens da dieta ocidental agora familiares ? como chá, bananas, batatas e açúcar branco ?, o café passou a ser largamento consumido somente a partir dos fins do século XIX.
No Brasil o café foi durante muitos anos de nossa história o principal produto de exportação. Analisar sociologicamente o café revela nossa história e cultura.
 
Houve um tempo em que os presidentes do Brasil ou eram Mineiros ou eram Paulistas, os historiadores denominam esse período de República café com leite, justamente devido ao destaque dos principais produtos que geravam a riqueza brasileira.
Embora a bebida tenha se originado no Oriente Médio, seu consumo de massa, remonta ao período de expansão ocidental, que data de um século e meio. Praticamente, todo o café que bebemos hoje no mundo vem de áreas (África e América do Sul, inclusive do Brasil) que foram colonizadas por europeus; não é, portanto, de forma alguma, uma parte ?natural? da dieta ocidental.
Desse modo concluímos que o legado colonial teve um impacto enorme no desenvolvimento do comércio mundial de café.

 
Em quinto lugar, um indivíduo que bebe uma xícara de café é apanhado numa complicada trama de relacionamentos sociais e econômicos que se estendem pelo mundo. O café é um produto que conecta as pessoas das mais ricas e das mais empobrecidas partes do planeta: ele é  consumido em grandes quantidades em países ricos, mas é cultivado principalmente em países pobres.
Ao lado do petróleo, o café é uma das mercadorias mais valiosas no comércio internacional; ele fornece a muitos países sua maior fonte de divisas externas. A produção, o transporte e a distribuição de café requerem transações contínuas entre pessoas a milhares de quilômetros de distância de seu consumidor. Estudar tais transações globais é uma importante tarefa da sociologia, uma vez que muitos aspectos de nossas vidas são agora afetados por influências e comunicações sociais em escala mundial.


 O café brasileiro até hoje é vendido em Paris e em Londres, considerado um dos melhores café do mundo.


Em sexto, o café é um produto que permanece no centro dos debates contemporâneos sobre globalização, comércio internacional, direitos humanos e destruição ambiental. Como o café tem crescido em popularidade, ele passou a ser uma ?marca? e ficou politizado: as decisões que os consumidores fazem sobre qual tipo de café beber e onde adquirir têm tornado-se escolhas de estilo de vida.
Os indivíduos podem escolher beber somente café orgânico, café naturalmente descafeinado ou café ?comercializado honestamente? (através de esquemas que pagam integralmente os preços de mercado a pequenos produtores de café em países em desenvolvimento).
Eles podem optar por ser clientes de cafeterias ?independentes? em Vez de cadeias ?corporativas? de café, como a Starbucks. Ou então serem clientes dessas cadeias porque elas ofertam uma grande diversidade de tipos de café. Café capuccino, com creme, expresso, etc. Algumas dessas redes de cafeterias estão espalhadas pelos principais centros urbanos do mundo, pois se popularizaram por ofertar muitas variedades de cafés, inclusive de proveniências diversas.


Os consumidores de café também podem decidir boicotar o café vindo de certos países que violam os direitos humanos e acordos ambientais. Os sociólogos estão interessados em entender como a globalização aumenta a consciência das pessoas acerca de assuntos que vêm ocorrendo em cantos distantes do planeta, estimulando-as a desenvolver novo conhecimento em suas próprias vidas.


Conclusão:
A sociologia é importante porque através dela conhecemos melhor nós mesmos e os outros. Isso nos permite planejarmos melhor a organização de nossas vidas em sociedade, bem como qual a orientação de nossas ações. De fato, o olhar sociológico nos permite ver que muitos eventos que parecem dizer respeito somente ao indivíduo, na verdade, refletem questões mais amplas.



[1] Análise baseada no capítulo 1 do livro Sociologia de Antony Giddens. Porto Alegre: Editora Artmed, 2004. Adaptado didaticamente pelo Prof. Cláudio ACL.



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