A profissão do milênio, por Paulo Brossard*
Sociologia

A profissão do milênio, por Paulo Brossard*


Como cidadão e cidadão que desde estudante mourejou a atividade política, ao longo da qual veio a ser investido em várias situações com distintas responsabilidades, vendo coisas boas e coisas más, contemplo o ambiente atual na esperança de verificar progressos em nossos costumes. Não quero muito e me contento com pouco. Mas confesso que, antes mesmo do início da campanha política, sou constrangido a reconhecer alguns dados que não me parecem auspiciosos.

Já falei no primeiro e mais grave deles e este já consumado, e o que mais o agrava, praticado por quem deveria ser o ?primeiro magistrado da nação?, segundo a expressão consagrada. Sem permissão da lei, o presidente da República escolheu unipessoalmente sua eventual sucessora, fê-la candidata, entronizou-a no posto, e passou a promovê-la, como se tudo decorresse na mais regular das regularidades. Não ficou aí. Não é segredo para ninguém, de algum tempo para cá, mais importante que seus eventuais méritos a legitimar a pretensão de governar o país, seu bom nome, competência, integridade, experiência, ilustração, benemerência, e o mais que deve possuir, o importante, sem contraste, está reservado aos seus marqueteiros, barbarismo que passou a ter foros de cidade. O expediente não nasceu hoje, mas retrata uma deterioração no manejo da atividade política que facilmente vai contaminar o eventual vitorioso. O marqueteiro começa a cuidar da estampa, o cabelo, o penteado, a roupa, a elegância, agora a moradia (elemento de que se não cogitava), a voz, a dicção, de modo a refinar os sinais de sua personalidade. Como quem prepara um produto a ser vendido, que passe a ser do gosto do mercado, ainda que passe a ser pessoa diferente da que tinha sido até a transfiguração milagrosa. Tudo. Até a cabeça? Não sei. Pode ser que sim, pode ser que não. Por que não?

E o mérito da escolha, o conteúdo da eleição, que é tudo, onde fica se a seleção do governante ou do legislador passa a ser conduzida por modismos enganosos? Em outras palavras, busca-se um estadista ou um pisa-verdes simpático, agalanado, capaz de enganar o povo? Terá havido progresso nesse passo inicial de passar gato por lebre?

Contudo, como o ideal é ganhar, ainda que enganando, antes mesmo que a campanha eleitoral não esteja legalmente encetada, e nem mesmo os candidatos legalmente escolhidos, a propaganda já começou e meio mundo ficou sabendo que, em propaganda da candidata do presidente, como se fosse ela, foi colocada uma esbelta artista, sem dificuldade identificada como não sendo a candidata. Verificada a trapaça, houve pedido de desculpas. Será decente esse critério a regular uma campanha à presidência da República? Ou muito me engano, ou o processo não recomenda os marqueteiros nem a candidata a que servem.

Não é tudo. No mesmo dia em que o presidente da República foi punido pela segunda vez com penalidade pecuniária, por propaganda eleitoral ilegal, sem incomodar-se com a pecha, compareceu com sua candidata a sindicato e lá repetiu o que vem fazendo. Sindicato não pode virar centro partidário, nem apoiar candidatos. Mas foi o que aconteceu em São Paulo, não foi nas grotas do fundo do país. Com todas as vênias, não me parece sejam louváveis os métodos preferidos e por quem?

Ainda mais. Segundo pesquisa, fartamente divulgada pela grande publicidade, a candidata do presidente emparelhava com o ex-governador de São Paulo, quando este, desde o início acusava vantagem, pesquisa que, por requisição da Justiça Eleitoral, a requerimento de um partido, revelou ser incorreta e, portanto, inidônea, para não dizer fraudulenta, a indicar que a campanha eleitoral começa adulterada, a comprometer a seriedade de uma eleição presidencial. Quem faz isso faz qualquer coisa, seja lá o que for. E isso não é bom para ninguém, especialmente é mau para a nação brasileira. Uma coisa me parece inegável, de progresso não se trata. Será preciso dar-lhe nome? Para que, se o padrinho é bom e bons os marqueteiros, é o que basta. Assim se fabricam estadistas...


*Jurista, ministro aposentado do STF

Fonte: Jornal Zero



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