Análise Macro ou Microssociológica?
Sociologia

Análise Macro ou Microssociológica?


?Mas, uma vez alcançada uma visão mais clara dos aspectos da vida social que se destaca com mais nitidez do fluxo histórico quando contemplamos do alto e numa longa extensão, convém retornar à outra perspectiva, a que se tem dentro do fluxo. Cada uma destas perspectivas, se isolada da outra, apresenta riscos específicos. Ambas ? a visão aérea e a do nadador ? mostram o quadro com certa simplificação. Ambas nos inclinam a depositar uma ênfase unilateral? (Nobert Elias in Brandão, 2001: 154).

Para o estudo da violência doméstica diversas são as teorias sociológicas que permitem fazer uma análise do tema. Tal como outros fenómenos sociais, elas podem encontrar-se divididas por macro e microssociologias. As primeiras ??debruçam-se sobre sistemas sociais em grande escala, como o sistema político ou a ordem económica? (Giddens, 2004: 83) acompanhando as grandes mudanças ao nível social. As teorias microssociológicas, por seu lado, debruçam-se sobre as interacções em pequenos grupos.

Uma abordagem macro da violência doméstica é fundamental para perceber de que forma esta está dependente das instituições sociais que a acompanham e de que forma é condicionada pelo exterior que a envolve. Um olhar micro sobre a violência doméstica permite o estudo das representações e dos comportamentos violentos.

Com a observação das interacções quotidianas entre os indivíduos podemos perceber como estas podem influenciar processos sociais de maior amplitude. E a macrossociologia mostra como os sistemas sociais determinam as interacções individuais em pequena escala.

Assim, para se proceder a um entendimento da violência doméstica, é importante ter em conta o contexto societal em que se insere, ou seja é necessário acompanhar a sua evolução histórica, a sociedade que a acompanha e ainda os protagonistas e as relações que estes desenvolvem entre si.

Para o trabalho no âmbito da violência doméstica seria importante acompanhar as interacções que ocorrem entre a sociedade e o indivíduo, mostrando que ??o colectivo é individual e que os níveis microssociais constroem gradativamente padrões de acção e representações que se consubstanciam em estruturas de níveis macrossociais? (Brandão, 2001: 156). O indivíduo é apresentado como construtor da sua própria realidade e a sociedade como formatadora do indivíduo.

A eliminação de comportamentos de opressão sobre as mulheres passará pelo entendimento do indivíduo social como um agente não passivo e construtor do seu papel na sociedade, ou seja, como um elemento da sociedade que apesar de ser determinado por esta poderá adoptar comportamentos de desvio à socialização que lhe é incutida.

Desta forma é necessário romper com a dicotomia que atravessa as discussões sociológicas são elas: objectivismo/subjectivismo; estrutura/acção; macro/micro. Este processo de relativização destas oposições é feito por Giddens (1983) e por Bourdieu (1989). O primeiro defende o conceito de dualidade da estrutura quando afirma ?as estruturas sociais são tanto constituídas pela acção humana, como também, ao mesmo tempo, são o próprio meio desta constituição? (Giddens in Vasconcelos, s/d :6). Bourdieu rejeita a visão da análise macrossociológica que vê o indivíduo como um mero executor de normas e regras, no entanto, mescla as análises macro e micro tal como é visível nos conceitos de habitus e de campo.

O conceito de habitus inclui a acção individual mas também a memória social, sendo este ?um sistema de disposições duráveis, estruturas estruturadas predispostas a funcionarem como estruturas estruturantes? (Bourdieu in Vasconcelos, s/d: 4). Assim, o habitus é uma grelha de orientação no mundo que é condicionada pela origem do indivíduo. Existe, no entanto, lugar para a transformação. O campo é o lugar onde as posições dos indivíduos se encontram à partida fixadas, onde ocorrem as disputas por interesses específicos, onde se manifestam relações de poder estruturadas através da distribuição desigual do ?capital social? dos agentes. Assim, verifica-se neste espaço social uma determinante mas também uma acção, uma vez que distribuindo desigualmente o poder leva a disputas entre os agentes na procura dos seus próprios interesses.

A aproximação entre a macro e a microssociologia permite uma leitura simultaneamente determinista e libertária da sociedade no sentido em que se, por um lado, não se abstém de observar o quotidiano determinado pela sociedade, por outro recusa-se a ver o indivíduo como um mero fantoche articulado pelo ?inconsciente colectivo? ou pela ?classe dominante?, reconhecendo nele as armas de construção e mudança.

A análise sobre a violência conjugal feita desta forma, permite reconhecer um dinamismo emergente da acção individual que nas últimas décadas se tem organizado alterando os papéis que os indivíduos adoptam e a consequente socialização desigualitária dos sexos. Dizer-se-ia que as grandes mudanças históricas, as macromudanças, são sempre resultado de micromudanças. O macro social é, então, um lugar de ordem, de regularidades de estabilidade e conservação mas sempre acompanhado pelo micro onde existe lugar para as conexões anárquicas, para as liberdades humanas surgindo desvios à socialização que é imposta (Baremblitt in Vasconcelos, s/d: 7).

Desta forma, a distribuição desigual de poder e o posicionamento discriminatório da mulher na sociedade perpetua-se num lugar macro de reprodução e socialização. Assim impõem-se, para se dar a mudança, ou seja, a eliminação de comportamentos de agressão sobre a mulher que derivam destas desigualdades, uma acção individual, um desvio da socialização desigualitária, para por termo à violência.

BRANDÃO, Zaia (2001) ?A Dialéctica Micro/Macro na Sociologia da Educação?, in Cadernos de Pesquisa, n.º 113, pp. 153-165.
GIDDENS, Anthony (2004) Sociologia, 4.ª Edição, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian.
VASCONCELOS, Marcos (s/d) O neovelho problema: o objectivo e subjectivo em sociologia contemporâneo, Revista Urutágua, n.º 6, Brasil.



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