Ataque policial fortalece a ditadura americana
Sociologia

Ataque policial fortalece a ditadura americana



Outras Palavras | Antonio Martins | Ataque ao ?Occupy WallStreet? revela outro aspecto do esvaziamento da democracia nos EUA: polícia militarizada e ?high-tech?, agora contra protestos civis.

Na madrugada de terça-feira, durante o assalto ao acampamento do Occupy Wall Street,a polícia de Nova York adotou métodos primitivos. A entrada da imprensa na área da operação polícial foi vetada. Ydanis Rodriguez, um membro do parlamento local, foi agredido e preso, quando tentava encontrar-se com os manifestantes. Houve mais 200 prisões, uso generalizado de gás pimenta e golpes de cassetete. Uma biblioteca de 5 mil livros foi atirada a um contêiner de lixo.

Mas estas cenas de brutalidade são apenas um aspecto menor da operação. Notícias publicadas ontem (15/11) nos jornais norte-americanos, e análises de mais fôlego na imprensa alternativa, revelam algo mais grave. Articulou-se nas últimas semanas, nos Estados Unidos, um esforço policial coordenado, com objetivo de suprimir um movimento que, embora tenha sempre agido de modo pacífico, passou a ser encarado como uma ameaça ao status quo. A investida contra o Occupy reflete a militarização das forças de segurança dos EUA, cada vez mais voltadas a identificar e combater ?inimigos internos? ? e equipadas com sofisticado armamento ?high-tech? contra eles.

Embora a decisão de desocupar praças caiba, institucionalmente, aos prefeitos, a ação policial está sendo tramada nacionalmente. Mais de 40 chefes de polícia das cidades em que o Occupy montou acampamentos mantiveram reuniões constantes nas últimas semanas, muitas vezes por meio de videoconferências. O objetivo dos encontros foi trocar informações sobre as formas mais eficazes de promover a desocupação. Pretende-se evitar, sobretudo, episódios constrangedores para as forças da ordem, nos quais a resistência pacífica as obriga a recuar.

O planejamento foi especialmente meticuloso contra o Occupy Wall Street, revelou o New York Times. Houve duas semanas de treinamento, mas os policiais envolvidos não foram informados, em nenhum momento, sobre o alvo e as circunstâncias de sua futura ação. Temia-se a mobilização social. Uma tentativa anterior de esvaziar o acampamento, em 14 de outubro, fracassou porque, informados previamente, os manifestantes conseguiram convocar apoio.

O último treinamento foi feito na noite de segunda-feira, 14/11. Mesmo então, segundo o jornal, não se mencionou o Zucotti Park ? ou Praça da Liberdade, como foi rebatizada pelos acampados. Na convocação dos policiais falou-se apenas em ?um exercício?. A decisão atacar o Occupy foi comunicada ?apenas no último momento?.

Centenas de agentes foram mobilizados. O momento da operação foi escolhido meticulosamente. Sabia-se, depois de semanas de observação, que na madrugada de segunda para terça-feita o acampamento estaria mais vazio. O parque foi isolado por barreiras de policiais armados com escudos. No momento da desocupação, não era aproximar-se a menos de cem metros do local. Os jornalistas que já estavam na área foram retirados: a polícia alegou que desejava proteger sua ?segurança?.

Que leva a polícia de um país que se orgulha de respeitar as liberdades civis a se voltar para a repressão contra protestos pacíficos? Num texto publicado também ontem, no siteAlternet, Heather ?Digby? Parton, uma blogueira norte-americana premiada pela profundidade de suas análises (publicadas costumeiramente em Hullabaloo) , procura as respostas. Ela as encontra, principalmente, no que vê como três décadas de militarização das forças policiais norte-americanas. Primeiro, para enfrentar a chamada ?guerra contra as drogas?; mais tarde (a partir do 11 de setembro), para a vigilância interna, adotada a pretexto da ?guerra contra o terror?.

Desde 1980, reporta ?Digby?, a polícia norte-americana tem sido preparada para assumir um número crescente de atividades de caráter mais tipicamente militar. Esta mudança se expressa em aspectos como o armamento e os uniformes policiais. Equipamentos como os fuzis M-16 e veículos blindados tornaram-se comuns ? inclusive em unidades instaladas nos câmpus universitários.

A partir de 2001, esta tendência assumiu nova dimensão. As forças policiais foram envolvidas na vasta operação do governo Bush para ampliar a vigilância sobre os cidadãos. A lei ?Patriot Act?, até hoje em vigor, permitiu violar o sigilo de comunicação e rastrear as operações financeiras. Criado na época, o Departamento de Segurança Interior (Department of Homeland Security) passou a coordenar as ações de espionagem interna. Tornou-se, rapidamente, a terceira maior agência estatal dos EUA. Tem orçamento anual de 55 bilhões de dólares. Horas após o ataque contra Occupy Wall Street, o cineasta Michael Moore lançava, pelo twitter, uma questão ainda não respondida: terá o departamento participado da operação contra os manifestantes?

Ainda mais importante, introduziu o conceito de ?terrorismo doméstico?, orientando as forças da ordem não apenas contra os crimes tradicionais ? mas contra um leque amplo e  impreciso de atividades, que pode facilmente incluir a oposição política. As consequências foram explicitadas em 2006 por Joseph McNamara, ex-chefe de polícia de San Jose. Ele afirmou que, o novo cenário havia produzido ?uma ênfase em treinamento paramilitar, que, em contraste com a antiga cultura, sobrepõe-se ao treinamento policial ? segundo o qual, os policiais não deveriam atirar, exceto para se defender?.

Um dos aspectos mais controversos da nova postura foi a utilização costumeira de armas consideradas ?menos-letais?. Digby conta que os teasers (que produzem choques elétricos e podem, em certas circunstâncias, matar) são apenas a ponta de iceberg de um vasto arsenal ? utilizado, por enquanto, apenas em situações de treinamento. Ele é inteiramente voltado para a dispersão de protestos. Inclui, por exemplo, o ray gun,Posicionado no alto de um veículo e disparado contra uma manifestação, ele produz, nos que estão à frente, a sensação de um ?soco invisível?, que provoca intensa dor e impede de continuar caminhando. Sintomaticamente, foi testado, em exercícios na Geórgia, contra soldados vestidos de manifestantes que portavam cartazes com dizeres como ?Paz Mundial?, ?Amor para todos? e ?Paz, guerra não!?.

Ainda mais espantosos são os planos para desenvolver armas como teasers com alcance de cem metros ou, mesmo, aviões não-tripulados (?drones?), capazes de criar grandes ?áreas de exclusão?, ao bombardeá-las com dardos virtuais que produzem choques elétricos. (Para descrição das armas, Digby baseou-se numa extensa reportagem de Ando Arike, publicada na revista Harper?s.

Ao final de seu texto, Digby debate uma questão política crucial. A militarização da polícia foi impulsionada no período imediatamente posterior aos ataques de 11 de Setembro. Na época, o choque provocado pelo terror e a onda de patriotismo que se seguiu garantiram amplo consenso social em favor das medidas de vigilância. O secretário de Defesa (e depois vice-presidente) Dick Cheney chegou a afirmar que ?o Estado precisa tirar suas luvas?.

Este tempo passou. Numa época em que o terrorismo deixou de ser uma ameaça visível e crescem, em contrapartida, os protestos contra a desigualdade, o desemprego e o esvaziamento da democracia, qual será a conduta das forças policiais agora orientadas também contra alvos que podem incluir a dissidência civil, e dotadas de novo armamento? Como elas agirão, se os novos movimentos recusarem-se a receber ordens ? que julgam ilegítimas ? para refrear seus protestos?

As respostas estão em aberto. O que ocorreu em Nova York em 15/11 não é uma fatalidade, mas serve de alerta. Se a construção de uma sociedade mais justa inclui manter e ampliar as liberdades civis, então será preciso conhecer em profundidade, denunciar e reverter esta nova ameaça de desconstrução da democracia.



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