Degradação marca condições de trabalho dos "infoproletários"
Sociologia

Degradação marca condições de trabalho dos "infoproletários"


O setor informacional ? que inclui amplos segmentos caracterizados pelo uso intensivo de novas tecnologias, como as telecomunicações e a informática ? é considerado um dos mais dinâmicos e arrojados da economia contemporânea. No entanto, as condições de trabalho encontradas nessas áreas podem ser tão precárias como as dos operários do século 19.
Esse é o mote do livro Infoproletários ? Degradação real do trabalho virtual, que traz ensaios de 11 autores brasileiros e estrangeiros, com base em pesquisas científicas sobre aspectos diversos do trabalho no setor informacional que compõe a nova morfologia do trabalho no Brasil.

A obra foi organizada por Ricardo Antunes, professor do Departamento de Sociologia do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), e por Ruy Braga, professor do Departamento de Sociologia da Universidade de São Paulo (USP) e diretor do Centro de Estudos dos Direitos da Cidadania da USP (Cenendic). Vários dos autores tiveram apoio de Bolsas da FAPESP para a realização dos estudos apresentados no livro.

?O livro é uma coletânea que procura recolher o que encontramos de mais qualificado na pesquisa científica feita hoje no Brasil sobre o que chamamos de proletariado do setor informacional. Além disso, traz duas contribuições de autores internacionais?, disse Antunes à Agência FAPESP.

Além de pesquisadores de várias instituições brasileiras, o livro traz as contribuições de Ursula Huws, da Universidade de Londres (Inglaterra), e Juan José Castillo, da Universidade Complutense de Madri (Espanha). O sociólogo britânico Michael Burawoy é o autor da nota de apresentação da obra.

Segundo Antunes, o objetivo do livro é contribuir para a compreensão da realidade dos trabalhadores que atuam em relação estreita com as tecnologias da informação, designados como ?infoproletariado?, ou ?cyberproletariado?.

?Há um mito de que os melhores empregos do mundo estão nessas áreas, que, por terem alta demanda, ofereceriam grandes oportunidades e autonomia. Mas, quando fazemos uma análise científica, vemos que as condições concretas mostram um quadro muito diferente, marcado por uma profunda alienação do trabalho?, disse.

Antunes afirma que o infoproletariado convive com uma dualidade: os trabalhadores lidam com uma tecnologia avançada, mas vivenciam muitas vezes condições de trabalho precárias, típicas das primeiras fases do capitalismo, com jornadas extenuantes e ausência de direitos elementares.

Nos critérios utilizados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o setor informacional se divide em atividades como telecomunicações, informática, edição de programas, processamento de dados, atividades de bancos de dados, produção, distribuição e projeção de filmes, rádio e televisão e atividades de agências de notícias.

Antunes explica que o setor se caracteriza por uma polarização. Em um dos extremos estão os trabalhadores que atuam no desenvolvimento de softwares. No polo oposto, estão os operadores de telemarketing.

?Os programadores de software são vistos como uma elite do cibertrabalho, desfrutando de alguns privilégios, como uma suposta autonomia. Ainda assim, nesse segmento as condições de trabalho são muito intensificadas e o profissional é sobrecarregado por uma pesada cobrança. A individualização sufocante e a responsabilização desse trabalhador têm sido responsáveis por suicídios em vários países do mundo?, apontou.

No caso do telemarketing, que se encontra na base da hierarquia do cibertrabalho, as condições de trabalho são ainda mais exasperantes, segundo Antunes. ?Há um controle muito rígido do fluxo de trabalho, imposto pela regulação rigorosa do tempo médio de atendimento. A individualização é reforçada pela segregação espacial em baias, que restringem o contato com os colegas. E o tempo destinado para alimentação e uso do banheiro é limitadíssimo?, disse.

Segundo Antunes, os estudos mostram que o segmento do telemarketing tem forte contingente de mulheres ? cerca de 70% do total ? e jovens. O setor, que não para de crescer, já tem quase 1 milhão de trabalhadores.

?Nossas pesquisas constataram, de forma abundante, que muitos jovens encontram nos call centers seu primeiro emprego, com a ilusão de que encontrarão ali condições de trabalho adequadas. Mas, depois de alguns meses, o maior sonho desses trabalhadores é abandonar o telemarketing?, afirmou.

Home office

No setor informacional, de forma geral os trabalhadores sofrem intensivamente com o enxugamento dos postos de trabalho, com demissões frequentemente decorrentes de processos de privatização, segundo Antunes. Outro fator que gera sofrimento intenso é a responsabilização de competências.

?Frequentemente, o trabalhador é elogiado quando realiza o trabalho padrão e ridicularizado quando sua faixa de produtividade fica abaixo da média. Nos postos de gestão, mais altos nas hierarquias, os trabalhadores são culpabilizados quando os projetos fracassam. Muitos não suportam esse fracasso coletivamente publicizado?, disse.

A individualização e o isolamento do infoproletário também se combinariam à precarização das condições de trabalho. ?Houve uma quebra da noção de trabalho coletivo, rompendo uma série de laços sociais. Muitos trabalhadores já não têm postos de trabalho fixos dentro da empresa e outros ? especialmente na área de tecnologia da informação ? trabalham em seu espaço doméstico?, afirmou.

Trabalhar em casa, segundo Antunes, pode ter aspectos positivos, como uma relativa liberdade. Mas a autonomia para gerenciar a jornada de trabalho pode se transformar em uma intensidade de trabalho maior.

?Esse trabalhador é isolado do resto do mundo. Além disso, um adoecimento nesse tipo de trabalho é frequentemente desprovido da segurança previdenciária e de saúde que a empresa é obrigada a assumir se o empregado estiver trabalhando in loco?, destacou.

Os setores informacionais, no entanto, são heterogêneos, segundo Antunes. Há empresas que disponibilizam os direitos sociais garantidos para o conjunto dos trabalhadores.

?Mas há também o trabalhador conhecido como ?pessoa jurídica?, que é o empresário explorador de si mesmo. Desprovido de direitos, pode ser demitido por meio de um simples encerramento de contrato. Essa modalidade de trabalho é muito frequente nos setores de mídia e comunicação?, disse.

Fonte: Agência Fapesp
no sítio www.vermelho.org.br



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