Sociologia
Eu Canto a Mulher Sofrida - Artur da Tavola
Eu Canto a Mulher Sofrida
sofrida é mulher por quem a vida passou machucando uma sensibilidade menina, feita de dádiva, confiança no próximo, esperança de melhorar o mundo.
Sofrida é a mulher que não viveu em vão, na delicia burguesa de ser objeto de sexo, admiração fácil ou mimo, preferindo o caminho penoso da independência, a procura honrada da própria dimensão pessoal, existencial, política.
Sofrida não é a pessoa derrotada ou apenas sofrente, fonte de dores e masoquismo sem fim: sofrida é a pessoa que tem energia e nervos para enfrentar na carne todas as disposições e contradições necessárias a viver e a conquistar o direito à vida, à liberdade, à solidão, ao afeto dos seus.
Sofrida é a pessoa que olha ao seu lado a miséria social e humana e não fica impassível ou indiferente, apenas porque se supõe livre de idêntico perigo.
Sofrida é a mulher de uma geração que assistiu à castração de seu sonho político, embora o veja crescendo, melhorando e se transformando pelo mundo a fora.
Sofrida é a mulher que viveu varias décadas em cada uma das três ultimas. É a pessoa que soube incorporar ao seu viver todas as dores necessárias à libertação: dos preconceitos próprios e alheios; dos atrasos ancestrais; da dor de viver adiante no tempo; das agressões retrógradas; das maldades profissionais; do medo da sua mensagem renovadora.
Sofrida é a mulher que teve restrições na sua carreira, ameaças, invasões do seu espaço vital por causa das suas idéias; por causa da sua capacidade de viver com intensidade tudo aquilo em que estava crendo do fundo de sua sincera convicção.
Sofrida é a mulher que assistiu à queda de muitos, ao cansaço de outros, à morte de terceiros, à dor, à tortura, ao vicio, à desistência à loucura, à resistência,à tenacidade, ou a convicção de todos os que se insurgiram contra qualquer forma de agressão humana, de opressão ou de injustiça.
Sofrida é a mulher que aí está, cada vez melhor porque de costas erguidas a despeito de tudo o que viu. Sofreu e passou.
Sofrida é a mulher que não desistiu de Ser; que não se alienou; que não fugiu da dor; que se embelezou com as rugas conseguidas; que se purificou com as impurezas que em si descobriu; que mergulhou com igual coragem na própria miséria e na própria grandeza, saindo melhor de ambas.
Artur da Távola ? Cada um no meu lugar, 1980
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