Sociologia
FRAGMENTOS DO TEXTO: O SABER E O PODER DE MAURÍCIO TRAGTENBERG.
O que nos interessa é saber em que condições o poder produz um tipo de saber necessário à dominação, e em que medida essa saber aplicado reproduz o poder. É com o capitalismo que o saber instrumental adquire características dominantes, é com o filósofo da manufatura Bacon que ?saber é poder? implica domínio sobre o ambiente.
A maioria dos acadêmicos universitários vegeta no conforto intelectual agasalhado pelas sinecuras burocráticas e legitimadas ideologicamente pelo apoliticismo: a ideologia dos que não tem ideologia.
A ciência social vê-se reduzida a simples fornecedora de elementos aos que detêm o poder nos EUA, para permitir a sua intervenção nos aspectos econômicos ou sociais do real, porém o maior problema é prevenir o conflito no local, do que vencê-lo.
O grave problema da universidade norte-americana atual é a síndrome do conformismo, que permite a utilização do saber para o genocídio*, prevenir conflitos futuros, tornando o sociólogo um burocrata auxiliar e triste do Departamento de Defesa.
Na realidade, o que os subdesenvolvidos aprendem a respeitar na idéia de ciência são os conceitos abstratos, as realizações experimentais que não podem ser reproduzidas por eles e que não têm relação com sua cultura. Ficam em estado de impotência intelectual em relação à Metrópole, que capta os melhores estudantes para o doutorado, na sua maioria oriundos da América Latina.
Em suma, trata-se de munir a elite norte-americana de material antropológico e sociológico sobre elites e grupos minoritários que possam ser utilizados pelo poder para intervir na direção dos processos sociais e políticos latino-americanos. É o saber a serviço do poder.
Mais nítida é a vinculação entre o imperialismo e a antropologia. Por ocasião do fim da Guerra dos Boers (1899-1902), os antropólogos ingleses procuram aplicar seus conhecimentos tendo em vista fins práticos. O Royal Anthropological Institute apresentou, na época, ao secretário de Estado para as Colônias, a proposta para que se estudassem as leis e instituições da diferenciação tribal da África do Sul. Tal estudo tinha em mira criar uma base, a política administrativa ?racional?. A administração dos povos coloniais sempre fora considerada terreno privilegiado para a aplicação do conhecimento antropológico. Os governos coloniais tinham noções diversas sobre a rapidez dos processos de ?ocidentalização ? dos ?primitivos?.
A produção teórica antropológica orientou-se pela prática colonial; assim, a pedido da Administração Colonial, Meyer Fortes escreveu sobre os costumes matrimoniais dos tallensi; Rattray, antropólogo e funcionário colonial, escreveu sobre os ashanti.
O governo britânico na Nigéria e Costa do Ouro sempre partilhou da idéia de que os nativos com posição tradicional eram ?melhores agentes locais da política do governo e desejavam saber quem eram as pessoas que poderiam ser reconhecidas como autoridade indígena.
Em tese, os destinos da pesquisa e análise antropológica reproduzem as vicissitudes da formação econômico-social. Assim, antes de analisarmos a emergência da antropologia norte-americana, sua metodologia e as implicações sóciopolíticas, é importante notar que os Estados Unidos, antes de terem colônias externas, tinham-nas internamente. A antropologia aplicada norte-americana inicia-se quando em 1934 o governo dos EUA cria o Bureau of Indian Affairs: as empresas privadas utilizam-se da antropologia, aplica-se a metodologia antropológica entre 1927 e 1932 em Hawthorne, na Western Electric Company em Chicago. Em 1941, funda-se a Society for Applied Anthropology, com interesse na área de saúde mental, organização industrial e relações entre o desenvolvimento econômico e mudança cultural.
É por ocasião da Segunda Guerra Mundial que o governo norte-americano empregou antropólogos com a finalidade de explicar a cultura das zonas ocupadas àqueles membros do Exército que precisavam do trabalho dos nativos como operários, ou mensageiros.
Os antropólogos são empregados como consultores nos projetos de assistência técnica dos EUA. A antropologia aplicada após a Segunda Guerra Mundial orientou-se em direção a programas práticos destinados a acelerar mudanças específicas em determinadas sociedades dominadas. Assim, a estrutura e o funcionamento da administração colonial na África e na Oceania, o contingente índio na América Espanhola e as reservas indígenas nos EUA foram amplamente estudados.
Vejamos o exemplo abaixo: ?nos EUA um eminente sociólogo, presidente da Associação de Ciências Sociais, no seu discurso de posse sugerir, como solução do ?problema negro?, a transferência maciça de negros para os Andes. Seja dito que não consultara antes nem os negros nem os andinos. (Anthropologie et imperialisme).
Desenvolve-se uma retórica acadêmica na qual não há alienação; o poder é negado, existe a pluricausalidade e os estudos de comunitários; sua dependência dos financiamentos leva-o a estudar os problemas conforme a ótica dominante, que é a da classe dominante.
Da ascensão do capitalismo e evolucionista no declínio do capitalismo, a antropologia torna-se difusionista. No fundo, as ciências sociais tendem a transformar-se em um gigantesco projeto para empregar a classe média intelectualizada, legitimar a dominação da elite e ludibriar os dominados por uma retórica vazia.
É o colonialismo que torna possível a antropologia** e é ela que procura ?entender? o colonialismo: isso é claro quando africanistas liberais desenvolvem temas sugeridos pela CIA como ?A bruxaria e a magia e outros fenômenos psicológicos e suas implicações sobre as operações militares e paramilitares no Congo?.
O pluralismo no plano do conhecimento em nível metodológico nada mais é do que a institucionalização de uma posição relativista, traduzindo na linguagem do método a tolerância repressiva manifesta no pluralismo político que oferece ao cidadão um ?leque de escolhas? que vai do Partido Conservador ao Liberal. Todo conservador é pluralista; porém, a verdade é uma só, não é pluralista.
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