Traduzido pelo Coletivo Vila Vudu
Nada como uma revolução árabe para expor a hipocrisia dos amigos. Sobretudo, se a revolução é revolução de civilidade e humanismo, movida pelo desejo de viver em democracia do tipo que conhecemos na Europa e na América.
A quantidade estrondosa de bobagens enunciadas por Obama e por La Clinton nas últimas duas semanas é só uma parte do problema. De ?estabilidade? até ?tempestade perfeita? ? o Departamento de Estado deve andar assistindo muito ?E o vento levou??, em matéria de copiar Hollywood no eterno fracasso de jamais conseguir ver valores morais no Oriente Médio ?, chegamos aos presidenciais ?agora-significa-ontem? e ?transição ordeira?, cuja tradução é: nenhuma violência até o ex-general Mubarak da Força Aérea afastar-se um pouco, para que o ex-chefe da segurança general Suleiman possa assumir o governo em nome dos EUA e de Israel.
O canal Fox News já informou seus telespectadores nos EUA que a Fraternidade Muçulmana ? o mais ?soft? dos grupos islamistas no Oriente Médio ? estaria manipulando os valentes homens e mulheres que se atreveram a resistir à polícia política da ditadura. E magotes de ?intelectuais? franceses (as aspas são essenciais, no caso de figuras como Bernard-Henri Lévy, na inolvidável manchete do Le Monde) inventaram ?a intelligentsia do silêncio?[1].
Todos sabemos por quê. Alain Finkelstein fala de sua ?admiração? pelos democratas, mas também da necessidade de ?vigilância? ? o que sempre garante nota baixa para qualquer ?filósofo? ? ?porque hoje sabemos sobretudo que não sabemos em que dará tudo isso?. Essa citação quase rumsfeldiana só é superada pela ideia absolutamente ridícula, pela obviedade, da lavra de Lévy, segundo a qual ?é essencial considerar a complexidade da situação?. Curiosamente, é exatamente o que os israelenses sempre dizem quando algum ocidental desorientado sugere que Israel pare de roubar terras árabes na Cisjordânia para lá instalar seus colonos de ocupação.
De fato, a própria reação de Israel aos acontecimentos no Egito ? que ainda não seria hora de o Egito chegar à democracia (para não ameaçar o título de Israel como ?a única democracia no Oriente Médio?) ? tem tanto de inadmissível quanto de autoderrotista.
Israel estará sempre mais segura, se cercada por democracias verdadeiras, do que, como vive hoje, cercada de ditadores pervertidos e viciosos, ou de monarcas autocratas. Para seu alto crédito, o historiador francês Daniel Lindenberg disse uma verdade, essa semana: ?Temos, infelizmente, de admitir a realidade: muitos intelectuais creem, sinceramente, que os povos árabes seriam geneticamente atrasados?.
Sem novidade. Aplica-se aos sentimentos subterrâneos dos europeus sobre todo o mundo muçulmano.
A chanceler Merkel da Alemanha anuncia que o multiculturalismo não funciona, e um aspirante ao trono da família real da Bavária disse, há pouco tempo, que há turcos demais na Alemanha porque ?os turcos não querem ser parte da sociedade alemã?. E quando a própria Turquia ? a mais perfeita combinação de Islã e democracia que há hoje no Oriente Médio ? aspira a unir-se à União Europeia e quer partilhar nossa civilização ocidental, a Europa tenta por todos os meios, inclusive por meios racistas, impedir que a Turquia integre-se.
Em outras palavras, queremos que eles sejam iguais a nós, desde que fiquem bem longe. E então, se eles mostram que podem ser como nós, mas não querem invadir a Europa, fazemos o possível para instalar lá, no governo ?deles?, mais um general adestrado nos EUA, para controlá-los.
Exatamente como Paul Wolfowitz reagiu ao Parlamento turco (porque não autorizara que as tropas que invadiriam o Iraque passassem por território turco), perguntando se ?os generais nada disseram sobre aquela decisão??, a Europa, agora, nos reduzimos a ouvir o que o secretário de Defesa Robert Gates dos EUA diz, rastejante, elogiando o exército egípcio por sua ?contenção? ? e aparentemente sem nem perceber que deveria elogiar, isso sim, o povo do Egito, os que desejam democracia, eles sim, magnificamente ?contidos?, militantes da não-violência, em vez de elogiar um magote de generais-brucutus.
E é assim que, quando os árabes reivindicam dignidade, respeito e autorrespeito, quando clamam pelo futuro que o próprio Obama delineou no então elogiado ? e hoje, suponho, já amaldiçoado ? discurso na Universidade do Cairo em junho de 2009, nós desrespeitamos os árabes e manifestamos desprezo. Em vez de a Europa festejar que os egípcios estejam lutando por democracia, tratamos a luta e a reivindicação como um desastre.
É infinito alívio descobrir um jornalista norte-americano sério, Roger Cohen, que está ?por trás das linhas? na praça Tahrir, e de lá fala a indesmentível verdade sobre essa nossa hipocrisia. E é desgraça sem alívio, quando falam os ?líderes?. Macmillan deixou de lado as pretensões colonialistas, sobre a África não estar preparada para a democracia, e falou de ?ventos de mudança?. Agora, os ventos de mudança sopram no mundo árabe. E nós lhes damos as costas.
[1] O artigo, ?A Paris, l?intelligentsia du silence?, de Thomas Wieder, foi publicado no Le Monde do domingo, 6/2/2011 em http://www.lemonde.fr/cgi-bin/ACHATS/acheter.cgi?offre=ARCHIVES&type_item=ART_ARCH_30J&objet_id=1147799
[1], só para assinantes; pode ser lido na íntegra em http://www.protection-palestine.org/spip.php?article10086
[2] (em francês).
[1] http://www.lemonde.fr/cgi-bin/ACHATS/acheter.cgi?offre=ARCHIVES&type_item=ART_ARCH_30J&objet_id=1147799: http://www.lemonde.fr/cgi-bin/ACHATS/acheter.cgi?offre=ARCHIVES&type_item=ART_ARCH_30J&objet_id=1147799
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