Sociologia
sistemas de cotas: um multiculturalismo brasileiro?
SANTOS, Jocélio Teles dos; QUEIROZ, Delcele Mascarenhas
Ciência e Cultura, São Paulo, v. 59, n. 2, 2007.
[clique no link ou aqui para ler o artigo completo][comentário meu: as ideologias teóricas e as ideologias práticas que condenam a política de cotas estão baseadas em princípios abstratos (mérito, igualdade "constitucional", condenação do racismo de Estado e outras mistificações), não em fatos. Seria interessante começar enfim a avaliar as políticas de discriminação positiva para interpretar --- sociologicamente --- seu significado. Este é um bom artigo sobre.]"Este artigo tem como objetivo trazer alguns dados sobre a educação superior no período anterior ao sistema de cotas e nos dois primeiros anos da adoção desse sistema diferenciado. O espaço de análise é a Universidade Federal da Bahia (Ufba), a terceira instituição federal de ensino superior a reservar vagas para estudantes oriundos da escola pública (43%), aí inclusos os negros (85% dessa reserva) e índios aldeados (02 vagas para cada curso). O objetivo é discutir o impacto de uma nova política em uma instituição pública de ensino superior, nos dois primeiros anos da adoção do sistema. Afinal, os argumentos contrários ao programa de ações afirmativas priorizaram tanto a manutenção do mérito quanto a preservação da ideologia da mestiçagem, tão característica da sociedade brasileira, posto que nesses argumentos a reserva de vagas teria como conseqüência um novo modelo de relações raciais no país ? mais polarizado e, segundo alguns, com menos espaço para os mestiços. Cabe, então, priorizar a análise dos dados".
[...]
"Esses resultados confirmam a hipótese do bom desempenho de estudantes negros oriundos da escola pública, apontados por Queiroz na análise do desempenho de estudantes no vestibular da Ufba, em 2001(10), num momento em que a universidade não havia implantado o sistema de cotas. Naquele momento, detectava-se a existência de um elevado contingente (576) de estudantes pretos e pardos, oriundos de escolas públicas, que tiveram bom desempenho no vestibular, portanto, foram aprovados para cursos considerados de alto prestígio social, mas não foram classificados "por falta de vagas" (11).
Os dados sobre o rendimento dos cotistas nos cursos, analisados acima, demonstram que o sistema de cotas permitiu que estudantes de bom desempenho acadêmico ingressassem na Ufba; tratava-se de uma demanda reprimida das escolas públicas que, pelo sistema tradicional, classificatório, não teriam nenhuma oportunidade na instituição.
Como demonstrado, a introdução de novas práticas no ensino superior em perspectiva multiculturalista teve, de imediato, uma maior eqüidade na participação dos estudantes que se auto-classificaram como pretos e pardos, pois eles compõem, majoritariamente, o grupo dos estudantes que adentraram pelo sistema de cotas. Em termos percentuais tivemos no ano de 2005 uma representação destes estudantes (74,6%) próxima do percentual da população do estado da Bahia (75%) Um dado extremamente relevante é que pela primeira vez na história da Ufba, e poderíamos também incluir a UFPR, tivemos a inclusão de estudantes oriundos de sociedades indígenas em cursos como agronomia, letras, ciências sociais, enfermagem e artes plásticas.
A mudança na distribuição da cor em cursos tradicionalmente competitivos é um dado que tem chamado a atenção dos professores, pois nas turmas dos calouros nota-se uma maior presença dos que se auto-classificaram como pardos. Conseqüentemente, o número de estudantes brancos diminuiu em cursos como medicina e odontologia. O efeito do novo sistema pode, inicialmente, ser medido tanto em termos estatísticos quanto na percepção de docentes desses cursos".
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