Sociologia
Sobre a construção da hidrelétrica de Belo Monte
Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo Ter, 04 de Maio de 2010 13:55 Sibele Martins NOTÍCIAS - Demais Opinião - Especialista analisa as dúvidas e incertezas da construção da hidrelétrica de Belo Monte
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BELO MONTE: DÚVIDAS E INCERTEZAS NA GERAÇÃO DE ENERGIA*
Por Carlos Eduardo Sarinho SoaresInfelizmente tenho que concordar que realmente estamos chegando ao final dos tempos. Atentados terroristas, terremoto no Chile, Indonésia, Japão, etc... Vulcão em erupção na Islândia, jorrando cinzas e provocando caos aéreo por toda a Europa. Morro do Bumba desmoronando no Rio de Janeiro e a Bahia se acabando em chuvas. Nada disso assusta mais a nós brasileiros.
Porém, um outro fantasma anda rondando as nossas cabeças. Trata-se da insanidade que tomou conta dos governantes e políticos do nosso país. O mais recente acontecimento deixa muito claro que os neurônios deles entraram em curto-circuito. Trata-se da megaconstrução da usina hidrelétrica de Belo Monte, no estado do Pará. No perguntamos até agora, porque um governante em final de mandato cometeria um ato tão insano. Quais seriam os reais interesses, tendo em vista os prejuízos ambientais causados por uma obra megalomaníaca e que vai prejudicar toda a região amazônica, em troca de uma geração de energia rodeada de dúvidas e incertezas?
A coisa é tão assombrosa, que organizações sociais e de direitos humanos encaminharam à Organização das Nações Unidas (ONU), no dia 1º abril, um documento que relata as ilegalidades e arbitrariedades cometidas no processo de licenciamento da usina hidrelétrica de Belo Monte. O documento assinado por mais de 100 entidades, representando mais de 40 comunidades em 11 municípios, denuncia as mais cabais violações de direitos humanos que a obra da hidrelétrica acarretará. Dentre elas, as que foram ignoradas pela diretoria do Ibama, como a falta de consulta prévia às comunidades atingidas e as fragilidades dos Estudos de Impacto Ambiental (EIA-Rima) do empreendimento. Além disso, o documento denuncia a pressão política exercida para que as graves falhas do projeto fossem ignoradas, assim como, ameaças e intimidações sofridas por aqueles que questionaram as irregularidades no licenciamento.
Apesar do imbróglio jurídico dos últimos dias em torno do leilão, com direito a manifestações do Greenpeace despejando três toneladas de esterco na porta da ANEEL, o consórcio Norte Energia, que tem participação da Companhia Hidroelétrica do São Francisco (Chesf), subsidiária da Eletrobrás, da Construtora Queiroz Galvão, da Galvão Engenharia e de outras seis empresas, arrematou, em leilão realizado na última terça-feira (20/04), a usina de Belo Monte que começará a operar em 2015 e ficará totalmente pronta em 2019.
O leilão foi conduzido com base na menor tarifa oferecida pela energia elétrica da usina. Desta forma, quem oferecesse o menor lance, pelo preço a ser cobrado, ganharia o direito de construir e, posteriormente, vender a energia elétrica de Belo Monte. O Ministério de Minas e Energia definiu como preço máximo R$ 83 por megawatt/hora. O consórcio vencedor garantiu o preço de R$ 77,97 por megawatt/hora. O deságio ficou em 6,02%.
Belo Monte, que será construída no rio Xingu, no município de Vitória do Xingu (PA), será a segunda maior usina do Brasil, atrás apenas da binacional Itaipu, e custará pelo menos R$ 19 bilhões, segundo fontes do governo. Há especulações, porém, de que a obra poderá custar até R$ 30 bilhões. O governo federal está oferecendo benefícios fiscais com desconto de 75% no pagamento do imposto de renda aos compradores, além de empréstimo da ordem de 80% da obra, que será financiada pelo BNDES. A obra formará dois reservatórios de 516 Km², que vão impactar diretamente toda região da bacia do rio Xingu, numa área que compreende 30 terras indígenas legalmente constituídas, além de reservas extrativistas e oito unidades de conservação ambiental.
Recentes estudos divulgados por especialistas da área de engenharia, biologia e sociologia, dão conta de que um trecho de cem quilômetros da Volta Grande do rio Xingu, no Pará, será prejudicado. O renomado biólogo Hermes Fonseca de Medeiros, doutor em Ecologia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e professor da Universidade Federal do Pará (UFPA), afirma que, com a construção da barragem antes da Volta Grande, a água existente na região sofrerá com a vazão reduzida a ponto de impossibilitar a reprodução de peixes e favorecer a proliferação de doenças.
Fonseca que analisou o Estudo de Impacto Ambiental (EIA), em parceria com outros 40 especialistas de diversas áreas, em recente entrevista à imprensa, desabafou: "É uma situação muito triste. Nos mais de cem quilômetros do rio, há corredeiras, terras indígenas, ribeirinhos, e a vazão vai descer tanto, que os peixes podem não conseguir se reproduzir. A maioria das pessoas dependem da pesca para sobrevivência . O Xingu vai desaparecer na Volta Grande, vai ter apenas um filete de água. As pessoas não poderão mais navegar. Na época da seca, grandes poças deverão se formar, produzindo focos de doenças, como a malária. Moradores e índios estão condenados a enfrentar uma situação imprevisível, o caos vai se instalar na região".
Por outro lado, integrantes do governo se esforçam em discursos muitas vezes duvidosos, tentando justificar a falta de planejamento para com o uso do dinheiro público. Maurício Tolmasquim presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), órgão do governo federal responsável pelo planejamento de energia, afirma que Belo Monte representará um marco no desenvolvimento do Brasil e é fundamental para garantir o fornecimento de energia nos próximos anos, além de alavancar o crescimento econômico. "O Brasil é um país que tem uma demanda crescente de energia por conta do crescimento constante da economia. Precisamos agregar nova oferta. Atualmente usamos grande parte do potencial da região Sudeste, Sul e Centro-Oeste. Porém, 66% do potencial remanescente está na Região Norte. E Belo Monte é uma usina que terá grande capacidade de abastecimento, sendo uma das obras fundamentais para garantir o fornecimento de energia elétrica", defende ele.
A verdade é que, além de tratar-se da segunda maior obra do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), uma das principais bandeiras do governo Lula, e de ter capacidade para gerar 11,2 mil MW de energia, Belo Monte não deve operar com essa potência. Segundo o próprio governo, a potência máxima só poderá ser obtida em tempo de cheia. Na época de seca, a geração pode ficar abaixo de mil MW. A energia média assegurada é de 4,5 mil MW. Portanto, podemos afirmar que é insanidade construir uma usina tão cara e prejudicial ao meio ambiente, que só vai atingir sua capacidade máxima durante uma parte do ano e no restante trabalhar pela média ou abaixo de sua capacidade.
Diante de tal situação, será que não seria mais razoável investir em bagaço de cana-de-açúcar para gerar energia? Detalhe: As usinas de co-geração exigem um investimento relativamente baixo. Depois de instalada, praticamente não há despesa com combustível - que é o próprio bagaço da cana. Uma das vantagens é que a energia produzida nas usinas não depende de linhas de transmissão e já entra direto na rede distribuidora com níveis adequados de tensão. Outra vantagem, é que a posição geográfica das usinas de cana-de-açúcar e o período de pico são pontos positivos que reforçam a viabilidade dos investimentos em co-geração. Finalizando, as usinas estão localizadas na área de maior consumo do país e o período de safra da cana coincide com a seca (maio a novembro), o que poderia ajudar a poupar os reservatórios das hidrelétricas.
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Carlos Eduardo Sarinho Soares é bacharel em jornalismo pela FIAM e pós-graduado em Política e Relações Internacionais pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP). Atuou durante 14 anos na assessoria de imprensa da Eletropaulo e atualmente presta consultoria na área de energia elétrica para veículos de comunicação, principalmente com relação a "Gerenciamento de Crise".
FESPSP: 77 anos de tradição, pioneirismo e inovação
A Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP) é uma pessoa jurídica de direito privado sem fins lucrativos, cujo fim é a manutenção de escolas voltadas ao ensino e à pesquisa em nível superior. Criada em 27 de abril de 1933, por iniciativa de pouco mais de uma centena de figuras eminentes da sociedade paulistana, dentre as quais se destacam os dirigentes das principais entidades de ensino de São Paulo. A FESPSP é orientada desde o início para o estudo da realidade brasileira e para a formação de quadros técnicos e dirigentes capazes de atuar no processo de modernização da sociedade.
Hoje, a FESPSP mantém a Escola de Sociologia e Política (ESP), a Faculdade de Biblioteconomia e Ciência da Informação (FaBCI), a Faculdade de Administração (FAD) e a Escola Pós-Graduada de Ciências Sociais (EPG). O seu corpo de pesquisadores e docentes se dedica ao ensino e à pesquisa acadêmica e aplicada, reunindo à atividade de produção do conhecimento a capacidade de intervenção, gestão e planejamento, que tem sido a marca de atuação da instituição nos projetos desenvolvidos para os setores público e privado ao longo dos anos.
Fonte:
www.segs.com.br, onde poderão ser lidos os comentários.
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