Entre os vários substantivos que viabilizam a democracia, e outros tantos adjetivos que a caracterizam, uma palavra-chave merece mais atenção e mais zelo de todos nós. Refiro-me a verdade.
O direito à verdade dos fatos sociais deve ser uma garantia democrática. Mais que uma garantia, deve ser uma virtude pública.
A busca da verdade faz parte da essência humana. Em todas as áreas da vida. Mas, quando a verdade é fabricada, deixa de ser verdade. Torna-se matéria-prima da mentira.
Histórica e secularmente, o exercício do poder tem-se utilizado da mentira e da verdade pré-fabricada. Quando a verdade é manipulada, a mentira vence e aumenta seu poder de simulação e esconderijo de outras verdades.
Nunca é demais, nem tardio, relembrarmos que o regime democrático está concentrado na sociedade e em cada cidadão. E o seu exercício através dos eleitos.
Infelizmente, nosso sistema político representativo se afastou da sociedade. E a nossa participação tem-se limitado ao comparecimento periódico às urnas e a volta para casa. Mansamente.
Dirão que não. Que estou exagerando. Afinal, nunca houve tanta liberdade de ação e opinião. Sim, e daí? Para que serve tudo isso se o que estamos vivenciando é a inversão de valores?
Estamos ou não estamos à margem da atuação das esferas políticas, à mercê dos que estão no exercício das formas de poder? Somos meros espectadores. Não somos participantes. E por que não participamos? Por que somos espectadores? Porque nossa democracia deixou de produzir a verdade e a autenticidade deixou de cultuar os melhores e essenciais valores.
A verdade e a autenticidade são essenciais na sociedade como fatores de produção de questionamentos e transformações sociais. Geram descobertas, participação e fiscalização. E refutam, com vigor, as imposturas e as imposições.
E o que é o voto, ou deveria ser o voto? Não é, a rigor, o depósito de nossas convicções, de nossas crenças, de nossas verdades, nas mãos e consciência dos representantes? Ou dos parlamentares e governantes, como acontece na política?
E o que sucede se isso é frustrado, rotineiramente frustrante e decepcionante? Na medida em que se sobrepõem os interesses individuais, ou se desconstrói a verdade, a política perde seu sentido.
Mas o mais significativo e odioso, sim, odioso, é que na medida em que a política perde seu sentido, mas preserva sua institucionalidade, sua exigência social, as meias e falsas verdades, as verdades ocultas e a permanente manipulação ?aprisionam? a população.
Isso que chamamos de política, mas que não é a verdadeira política, acaba funcionando como um controle das possibilidades ação e reação popular.
As falsas, meias e ocultas verdades modificam os fatos e consequentemente a própria história. O passado já não podemos mudar porque é passado. E o futuro resta manipulado.
De um modo ou de outro, a sociedade percebe isso. Sente a manipulação. Sente, vê, mas não reage. Ao final, a generalizada e hegemônica memória curta popular esquece sua revolta, renova mandatos, repete formulismos e mágicas crenças.
Mas ensina o filósofo de plantão que a mentira e a manipulação são da natureza humana. Estão ao nosso alcance. Assim como a liberdade.
Se estão ao nosso alcance tanto a verdade quanto a liberdade, por que continuamos mentindo para nós mesmos?