Sociologia
Viver para consumir ou consumir para viver?
O consumismo é, certamente, um dos problemas centrais da juventude atual. A publicidade aposta nos jovens para vender seus produtos. Muitos já não encontram sentido na vida por não poderem consumir, enquanto outros descobrem um "sentido" consumindo compulsivamente. Parece que não existe saída. De fato, consumir para o bem-viver e para a solidariedade é andar na contramão desta ?roda viva?.
São propostas que estão surgindo e ganhando força nas redes de economia solidária.
Euclides André Mance,
autor do livro ?A Revolução das Redes: a colaboração solidária como uma alternativa pós-capitalista à globalização atual?.
Mundo Jovem: Qual o lugar que o consumismo tem na economia capitalista hoje?
Euclides: O fundamental da economia capitalista, a impressão que dá, é que querem gerar o prazer, a satisfação. Mas o que geram mesmo é a insatisfação. Ou seja, por que as pessoas vão correr atrás daquele produto que a mídia propaga? Porque elas estão insatisfeitas com aquela situação de consumo que vivem. Por mais que consumam, consumam, elas nunca estão satisfeitas, porque sempre vai aparecer um outro desejo.
Mas, no fundo, a busca deste consumismo mostra uma frustração da sociedade, porque é um consumo alienado. Se o consumo fosse para o bem-viver, as pessoas estariam refinando os seus desejos para realizarem-se de maneira humana.
Na lógica da publicidade, eles manipulam os desejos: o desejo da família feliz, de ter uma namorada, de ter amigos, de viver o prazer, a felicidade.
Tudo isso a gente vê nas propagandas. E são muitas delas. Você vê a imagem da família para vender a margarina, a imagem do namorado e a namorada para vender um desodorante, a imagem de um grupo de jovens para vender um tênis, e por aí a fora.
Mundo Jovem: A gente pode dizer que os jovens estão sendo enganados pela propaganda?
Euclides: Existe um estudo super interessante falando da psicopatologia do subdesenvolvimento. As pessoas ficam agenciadas: consuma isto, compre aquilo... só que elas não têm dinheiro para comprar e consumir. Então aquele desejo insatisfeito causa uma frustração na vida destas pessoas e isto vai ser descarregado de outras formas.
O que a gente vê de casos de jovens que morrem por um par de tênis, é um absurdo. É a idéia de que, se não pode ter aquele par de tênis, não pode ser feliz, não pode se realizar como pessoa. Na verdade, as coisas se tornam mais importantes do que as pessoas. Então se a pessoa tem aquelas roupas, aqueles relógios, aquelas coisas todas, ela tem valor. Aí se você tira aquelas coisas que ela tem, ela já não vale mais nada.
Quer dizer, um relógio, um tênis, uma calça valem mais do que a pessoa. Isto é uma distorção total do que é o sentido da vida. Já não é mais a relação de pessoa-pessoa, já não é mais a tua felicidade, a tua realização humana, mas é o ter ou não ter uma etiqueta numa calça, num tênis que dão ou não sentido à vida.
Mundo Jovem: E as conseqüências disso para a formação do jovem?
Euclides: São graves. A gente vê hoje, por exemplo, uma tentativa de competir no mercado, de disputar, porque é o sentido deste consumismo. Não existe um projeto de vida, em que as pessoas possam, de fato, construir valores, que seja o refinamento da sua singularidade. Félix Guatary fez uma reflexão superinteressante.
Diz assim: há dois caminhos na individuação das pessoas: elas podem ir por um individualismo, assumindo as referências da cultura de massa, onde se renuncia à liberdade para ser aquilo que a mídia diz que tem que ser, para comportar-se do jeito que a propaganda, que a cultura dominante diz que você deve ser.
Ou então, você assume a liberdade de ser você mesmo, de maneira autêntica. E nesse caso você vai para o que ele chama de uma singularização. É a tua singularidade, o teu desejo, é a tua imaginação, a tua criatividade, é tudo isso que tem que desabrochar na tua vida. E é esta tua criatividade, singularidade, que na verdade vai dar um sentido para a tua existência.
Mundo Jovem: E a questão das marcas?
Euclides: O consumo, por exemplo, de refrigerantes e sanduíches de multinacionais gera o seguinte: a pessoa vai comer uma batata frita, e aí vem dentro de uma caixinha, com uma marca daquela rede; aí você abre, e dentro tem um outro envelope com a etiqueta daquela rede. No fundo, a pessoa não está indo lá para comer a batata frita, mas para comer a etiqueta.
Quando alguém usa uma camiseta que tem uma estampa de um super-herói norte-americano, vai dinheiro embora do Brasil para os EUA, simplesmente porque é usada aquela logomarca.
Eu não estou dizendo que não seja importante o comércio internacional. Agora, a juventude tem que se dar conta de que quando ela vai lá naquela lanchonete, porque viu na propaganda, no fundo, uma parte do dinheiro que podia ficar no país, gerando emprego para ela própria, para a família dela, está indo embora do Brasil.
Então a pessoa está contribuindo para gerar desemprego, porque uma parte daquele recurso que poderia ficar aqui, está indo embora. Ou seja, se você comer a mesma batata frita, sem tantas embalagens até para evitar de poluir o ecossistema, você teria condições de gerar postos de trabalho na própria comunidade e o excedente ficaria na própria comunidade, permitindo gerar novas empresas, ativar a economia local.
Mundo Jovem: O que os jovens podem fazer diante desta situação?
Euclides: A juventude tem a vida inteira para viver. E quando a gente tem a vida inteira para viver, tem que parar e pensar assim: o que eu quero fazer da minha vida? Que mundo eu desejo? Desejo continuar destruindo o planeta, como está sendo feito? Desejo destruir os rios, a natureza? Que tipo de relação humana, de equilíbrio, eu quero buscar? E aí sim, a saída é coletiva. As saídas são coletivas. Jovens que estão por aí, desempregados, não sabem o que fazer da vida, organizem-se em cooperativas, vão trabalhar em conjunto.
Se os centros acadêmicos, por exemplo, organizassem cooperativas de consumo nas escolas teriam um consumo tão grande das coisas que eles compram, que eles poderiam ter recursos suficientes para organizar suas próprias cooperativas.
A economia solidária tem outros aspectos. O aspecto ético: é justamente colocar a pessoa em primeiro lugar, nunca as mercadorias, e a partir disso, a gente pensa no produtor, no consumidor, no bem-viver das pessoas.
Quanto ao aspecto político, nós estamos construindo uma outra sociedade, uma outra economia, uma outra cultura de solidariedade, uma outra forma de gestão do poder, uma auto-gestão, onde as pessoas participam, decidem, com democracia, com informação, com conhecimento.
Então, a juventude tem muito para construir aí. Não existe receita nenhuma. A economia solidária é isso. A cada dia nós vamos descobrindo coisas novas, nós vamos criando novas formas de consumir e de produzir para garantir o bem-viver das pessoas. E a juventude tem uma criatividade fantástica, fabulosa, porque ela tem que ser ela própria, usar sua criatividade para construir uma sociedade diferente, com uma vida melhor para todos. Cada um pode colaborar à sua maneira, com autonomia, com liberdade.
Mundo Jovem: E aqueles que estão condenados à ?infelicidade? porque não podem consumir?
Euclides: Há uma frase histórica na América Latina: ?A maior virtude de um revolucionário é sentir na própria pele a injustiça que se comete contra qualquer pessoa, em qualquer lugar do mundo?. Quando a gente vê uma pessoa excluída do consumo, a gente tem que sentir na própria pele o drama dessa pessoa, como se fosse o drama da gente. E a gente tem que fazer alguma coisa por essa pessoa.
A gente tem que contribuir de algum modo para a geração de postos de trabalho e distribuição de renda. Toda vez que a gente compra um produto de uma empresa de economia solidária, a gente sabe que aquele excedente que está sendo gerado vai ser reinvestido de maneira coletiva, o que vai gerar novos postos de trabalho.
Ou seja, existem alternativas comunitárias, solidárias, que viabilizam formas de as pessoas gerarem renda com o seu trabalho. O que importa é resgatar a dignidade de cada pessoa. Não se trata simplesmente de dar uma esmola a alguém, ainda que em muitas situações a gente não tem outra alternativa a não ser isto mesmo. Mas o ideal é criar uma forma para que a pessoa possa trabalhar e gerar com o seu trabalho, a renda que garanta a sua própria vida.
Consumo: da alienação à solidariedade
Quando pensamos no consumo, podemos considerar no consumo final e no consumo produtivo. O consumo final é aquilo que todos nós praticamos, quando tomamos café, compramos uma roupa, por exemplo.
Consumo produtivo é a compra dos insumos que são necessários para produzir alguma coisa. Por exemplo, se a gente consome um bolo, temos que comprar ovo, farinha, açúcar etc. Pois bem, o consumo final podemos analisar de quatro formas:
* Consumo alienado: esse é o consumo que a mídia propõe: que as pessoas devem comprar, comprar e consumir, e de uma forma absurda, sem ter um sentido para isso. Para gerar lucro, a empresa fica manipulando os desejos das pessoas para vender, vender e ter cada vez mais lucro.
* Consumo compulsório: acontece quando a pessoa entra no supermercado com pouco dinheiro, tentando levar o máximo que puder para casa, e não liga para etiquetas ou marcas: o importante é a quantidade, pois precisa atravessar o mês com aquele dinheiro. O drama do consumo compulsório é quando a pessoa não tem dinheiro nenhum. É quando ela tem que procurar comida na lata do lixo.
* Consumo para o bem-viver: é quando a gente escolhe o produto ou o serviço que a gente precisa, nunca pensando na mídia, na propaganda, mas para garantir o nosso bem-viver. Compra porque aquele alimento é saudável, é saboroso, porque aquela roupa é agradável, confortável.
* Consumo solidário: é quando o consumo, além de garantir o bem-viver do consumidor, também garante o bem-viver do produtor. Por exemplo, se eu compro um produto de uma empresa que explora o trabalhador, destrói o meio-ambiente, eu também estou colaborando para a destruição do meio-ambiente e exploração daqueles trabalhadores.
Porém, se eu compro um produto de uma empresa da economia solidária, estou colaborando para que aquele produtor possa viver do seu trabalho, sem exploração.
O que nós propomos nas redes de economia solidária é justamente a prática deste consumo solidário. Quando as pessoas, praticando o consumo solidário, compram em conjunto, elas podem comprar grandes quantidades e elas pagam mais barato. Por outro lado, os pequenos produtores, como vão vender em grandes quantidades, eles têm condições de manter o seu empreendimento funcionando, porque nós montamos uma rede entre consumo e produção.
Com isso, a rede, articulando consumo e produção, tem condições de gerar novas cooperativas, novas empresas, gerar novos postos de trabalho, pessoas que estavam excluídas vão poder produzir dentro dessas redes e desse modo vão poder receber pelo seu trabalho. Não se trata de consumir mais e mais. Trata-se de consumir para garantir o bem-viver. Esse é o sentido maior dessas redes de economia solidária.
Fonte: Entrevista do Jornal Mundo Jovem publicada na edição 320, setembro de 2001.
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