Sociologia
O melhor da política é interferir nas decisões?
" A maioria das pessoas diz não gostar de política. Ela é considerada sinônimo de falcatrua, corrupção e barganha de interesses privados.
Como se formou esta opinião sobre a política? Será ela verdadeira? Quais as consequências desta visão? Será que podemos mudar isso? O processo eleitoral em curso pode contribuir com a mudança ?"
Pedro Ribeiro de Oliveira,sociólogo, professor de Ciências da Religião na PUC de Minas Gerais.
Endereço eletrônico:
[email protected]
Mundo Jovem: Em que contexto se realizam as eleições de 2010?
Pedro Ribeiro de Oliveira: Temos que distinguir eleições e política. A eleição é apenas um elemento do processo político. É uma parte importante em que escolhemos entre os candidatos que os partidos já escolheram na convenção. Veja as eleições para a Presidência da República: para a continuidade do atual governo (Lula), o ideal é uma eleição de tipo plebiscitário, ou seja, que defina se o povo prefere que o governo continue com o PT ou volte aos tucanos (PSDB). Se outros candidatos decolarem, em lugar de eleição plebiscitária teríamos um verdadeiro debate político sobre os rumos do Brasil.
Sentimos, hoje, a busca dos setores dominantes de fazer uma eleição plebiscitária, porque para eles Dilma ou Serra significa mais ou menos a mesma coisa: não se mexe no agronegócio, nos bancos, na dívida pública, não se mexe na política econômica. Para o povão, o que faz um pouquinho de diferença são as políticas sociais. Para a democracia, seria bom que houvesse mais candidatos fortes. Teríamos então uma eleição politizada, o debate político nacional seria mais politizado.
Mundo Jovem: O contexto econômico e político mundial interfere nas eleições?
Pedro Ribeiro de Oliveira: Falando da conjuntura política, não mais da eleitoral, podemos dizer que estamos vivendo um momento muito difícil. Estamos numa crise sistêmica do capitalismo. A hegemonia americana vai terminar e passaremos para outra. Pressupondo que o capitalismo possa continuar, seria a hegemonia chinesa? Tudo indica que o sistema capitalista produtivista e consumista, que está consumindo todos os recursos naturais do planeta, não vai poder continuar.
Teremos uma crise ecológica grave: estamos caminhando para isso. Podemos atualmente fazer uma política de fazer de conta que a crise não vem, e vamos tocando dentro do sistema capitalista produtivista, consumista, e vamos continuar. Vamos construir a Usina de Belo Monte, a Usina do Rio Madeira, continuar apostando no agronegócio e vamos ver no que dá. Ainda não tem ninguém dizendo: ?Vamos nos preparar para a grande crise, politicamente, socialmente, culturalmente, economicamente, porque ela vai chegar?. Teríamos, atualmente, que pensar numa alternativa para a crise. Isto já existe em nível local. Existem pequenos grupos, a Economia Solidária etc., mas ainda não temos um projeto político nacional para fazer frente a essa crise mundial.
Mundo Jovem: E adianta a reação do Brasil contra os poderosos do mundo?
Pedro Ribeiro de Oliveira: No mundo inteiro tem gente ?remando? contra essa maré da crise. Acredito que o Brasil é um dos poucos países que teria condições de propor uma alternativa, pelos seus recursos naturais, pela extensão geográfica, pela população, pela experiência, pela cultura. Claro, se o mundo vai para o desastre, o Brasil não está livre do desastre. Mas se o Brasil criasse um projeto político alternativo, poderia se preparar para a crise e fornecer a receita para outros.
Mundo Jovem: O que dizer aos jovens? Devem votar, podem ter esperanças?
Pedro Ribeiro de Oliveira: Sem dúvida, vale a pena votar. A fé dos jovens de hoje, na política, é diferente de décadas passadas. Mas é importante participar da vida política do país, é importante votar. De qualquer forma, todos participamos da política pelo lado do imposto. Quando pagamos imposto estamos mantendo a política, o Estado. O imposto, no Brasil, é sobre o consumo. Pagamos imposto em tudo e a toda hora (conta de celular, consumo num bar etc.). Portanto participamos da política, queiramos ou não, no que é pior: pagar imposto. Mas a parte melhor da política é poder interferir no que fazer com o dinheiro recolhido pelos impostos. No sistema que temos hoje, a forma é escolher um(a) candidato(a) que dê um destino justo a esse imposto obrigatório. Então, quanto mais a gente participar, maior a possibilidade de ter alguém que faça do nosso dinheiro algo com que estejamos de acordo.
Mundo Jovem: O povo está aprendendo a votar?
Pedro Ribeiro de Oliveira: Sim. Mas a corrente que nos faz desaprender a votar é tão forte que se aprende de um lado e se desaprende de outro. Por que a justiça eleitoral não esclarece que no voto proporcional, como é hoje, seu voto vai primeiro para o partido e depois para o candidato? O voto proporcional é diferente do voto majoritário. Muita gente continua votando na pessoa, pensando que não está dando voto para um partido. Essa é a intenção deste eleitor quando vota, mas o voto dele vai para o partido. Nos falta, então, conhecer as regras básicas. Como é que um partido seleciona seus candidatos? Essas informações não saem na imprensa. É claro que com o processo eleitoral nós estamos aprendendo, mas o essencial mesmo, que são as regras do jogo político, continuamos a desconhecer.
Mundo Jovem: Então a nossa democracia política eleitoral é centrada nos partidos?
Pedro Ribeiro de Oliveira: A nossa democracia é federativa e centrada nos partidos. Os nossos Estados não são tão diferentes uns dos outros para dizer que a bancada do RS é inteiramente diferente da bancada de SE ou do AM. Em relação aos senadores, não deveriam defender somente os interesses do seu Estado. Então, nossa realidade não é federativa, mas nossa estrutura política, pela Constituição, é federativa. Isso é uma distorção. Por que não podemos votar para senador(a) ou deputado(a) federal numa pessoa conhecida, mas que está em outro Estado, se no funcionamento do Congresso, tanto faz o Estado que o(a) elegeu?
A segunda distorção é que os partidos políticos, de fato, são legendas eleitorais. Nem ao menos são nacionais, pois em cada Estado um mesmo partido torna-se diferente. Eles não têm uma diversidade programática, uma identidade taxativa. O PT já teve, mas perdeu. Talvez tenha em termos locais, mas em termos nacionais, não. Quando alguém expressa a desilusão para com as eleições, dá para entender, porque as eleições estão longe de representar a nossa realidade. Agora, se as pessoas não participarem, aí mesmo é que estarão fazendo papel de ?trouxas?, somente pagando impostos. Quem não vota, acaba não tendo outro papel dentro da política, a não ser pagar impostos.
Mundo Jovem: Seria recomendável frisar a importância de participar de partidos políticos?
Pedro Ribeiro de Oliveira: Sem dúvida. Infelizmente as bancadas verdadeiras, reais, se escondem através de legendas eleitorais, que são os partidos políticos. Apesar de tudo, no Brasil, como a política se faz através dos partidos, se quisermos ter influência no poder público, temos que participar dos partidos. Existem também outras organizações que contribuem muito nas discussões políticas: igrejas, movimentos sindicais e associações. Mas quer gostemos, quer não, na política, o partido político é fundamental. Se possível, entre, participe, debata, ajude a escolher um(a) candidato(a) e trabalhe para esta campanha. É um aprendizado único de cidadania, o qual só se aprende fazendo.
Mundo Jovem: Seria importante as escolas promoverem debates acerca da política?
Pedro Ribeiro de Oliveira: Muito importante. Se as escolas puderem, além de fazer o debate, pelo menos dar esclarecimentos sobre as questões: voto proporcional e voto majoritário, como se elegem os deputados estaduais e federais, estudar o processo. Mais do que o debate com os candidatos, pelo qual a escola acaba virando um palanque, seria interessante fazer um debate entre os alunos, provocando a argumentação sobre por que votar num(a) determinado(a) candidato(a), e eventualmente também debater com os pais, num debate político bem organizado, com regras e tudo mais.
Fonte: Jornal Mundo Jovem
Entrevista
publicada na edição nº 410, setembro de 2010.
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