Sociologia
QUILOMBOS: RESISTÊNCIA ONTEM E HOJE. II
A INVASÃO DA HERANÇA QUILOMBOLA
RIO - Na língua portuguesa, a palavra quilombo está definitivamente associada à causa racial, designando os redutos constituídos no Brasil colonial pelos negros fugidos da escravidão. Para alguns países de língua espanhola, porém, o termo ganha outras definições. Na Argentina, que não recebeu mão-de-obra africana em profusão como o Brasil, usa-se "quilombero" para falar de uma pessoa baderneira e quilombo como sinônimo de... prostíbulo. É provável que esses países se surpreendam com a exposição fotográfica Quilombolas, tradições e cultura da resistência, que, depois de fazer sucesso nas principais cidades brasileiras, começa agora a exibir pelas Américas a realidade de 10 comunidades afro-brasileiras remanescentes dos quilombos. Passa, com patrocínio da Petrobras, por países como Equador, Venezuela, México, Uruguai e Bolívia, entre outros.
A mostra, que já tem agendadas mais 10 etapas no Brasil em 2009, traz 40 imagens em negativo convencional preto-e-branco do fotógrafo André Cypriano. O artista percorreu 10 estados brasileiros, em busca dos mais remotos quilombares, querendo preservar a sua memória.
- Cada país da América tem uma relação diferente com a escravidão e com as questões raciais - avalia Cypriano. - A exposição vai poder quebrar a ligação pejorativa que alguns países têm com a palavra quilombo. É até engraçado imaginar um cartaz enorme em Buenos Aires, com o nome da mostra... Vão pensar que é uma exposição sobre prostíbulos.
Espaço de resistência
Muitos brasileiros desconhecem a existência de comunidades quilombolas até hoje, acreditando que sua formação foi um acontecimento histórico pontual, que acabou junto com o fim da escravidão. Curadora da exposição, Denise Carvalho acredita que o sucesso de Quilombolas rompeu barreiras em seu próprio país.
- Mesmo no Brasil, a idéia que se tem do quilombo não é sempre exata, e em alguns casos ainda fica limitada a questões folclóricas ou romantizadas - observa Denise. - A exposição serviu para revelar ao público essa realidade, tanto que virou referência no assunto.
As fotos da exposição também aparecem no livro homônimo, lançado em 2006, e que ganha uma nova edição este mês. Quando Cypriano iniciou seu trabalho, em 2005, diversos quilombos haviam sido recentemente descobertos.
Alguns permaneciam quase ou completamente isolados do resto do país. Os mais remotos estão alheios à eletricidade. O Centro de Cartografia Aplicada e Informação Geográfica da Universidade de Brasília aponta a existência de 2.842 comunidades quilombolas espalhadas por todas as regiões do Brasil.
O ambiente documentado pelo fotógrafo é oposto ao do seu trabalho seguinte, Rocinha, de 2008, que mostra o cotidiano da famosa comunidade carioca. Enquanto a favela se impõe como um espaço antropofágico, no qual múltiplas culturas convivem de forma caótica, o quilombo se apresenta como um lugar de resistência. Tradições seculares resistem às mudanças, trazendo à luz riquezas desconhecidas da ancestralidade africana.
- Diferentemente de um lugar informal como a Rocinha, as comunidades que visitei trazem a marca da resistência - compara Cypriano. - Resistência ao tempo, aos fazendeiros, ao governo... Cada quilombo é diferente do outro, uns são mais unidos, outros apresentam mais diferenças entre seus moradores. Por causa da escravidão, temos uma dívida com os afro-descendentes. É preciso que projetos tragam reconhecimento à raiz africana, para tentar manter essa tradição.
Danças nunca divulgadas
Uma das descobertas mais curiosas são os três irmãos de Cafundó, que se comunicam num antigo idioma africano. São os únicos indivíduos do mundo com conhecimento da língua, que nem existe mais no continente.
- Quando preparei o trabalho, já tinha em mente o que queria: retratos e paisagens - lembra o fotógrafo. - Mas o que eu gosto mesmo é o inesperado, as informações novas que vou encontrando no caminho. Meu trabalho sempre acaba no mistério do desconhecido, que considero a dádiva da vida. Nas comunidades, encontrei músicas e danças que nunca foram divulgadas antes.
Ministro das Políticas de Promoção da Igualdade Racial, Edson Santos acredita que o projeto dará mais visibilidade às comunidades quilombares.
- É importante que outras sociedades tenham contato com a existência das comunidades e descubram seu valor histórico - ressalta.
Santos alerta para a necessidade de preservar a história e a cultura quilombolas.
- Ao mesmo tempo em que se descobre essas comunidades isoladas, que mantiveram tradições e forma de comunicação próprias, é preciso estar atento para que não sejam aculturadas.
Uma das descobertas mais curiosas são os três irmãos de Cafundó, que se comunicam num antigo idioma africano. São os únicos indivíduos do mundo com conhecimento da língua, que nem existe mais no continente.
- Quando preparei o trabalho, já tinha em mente o que queria: retratos e paisagens - lembra o fotógrafo. - Mas o que eu gosto mesmo é o inesperado, as informações novas que vou encontrando no caminho. Meu trabalho sempre acaba no mistério do desconhecido, que considero a dádiva da vida. Nas comunidades, encontrei músicas e danças que nunca foram divulgadas antes.
Ministro das Políticas de Promoção da Igualdade Racial, Edson Santos acredita que o projeto dará mais visibilidade às comunidades quilombares.
- É importante que outras sociedades tenham contato com a existência das comunidades e descubram seu valor histórico - ressalta.
Santos alerta para a necessidade de preservar a história e a cultura quilombolas.
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Bolívar Torres, JB Online
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