Sociologia
A Igualdade Jurídica E As Forças Racionalizadoras
"A crescente subordinação de todas as pessoas e situações individuais a uma instituição que, pelo menos hoje, se baseia, em princípio, na 'igualdade jurídica' é obra das duas grandes forças racionalizadoras : da expanção do mercado, por um lado, e da burocratização da ação como órgão das comunidades consensuais, por outro. Estas substituem por duas coisas a criação, geralmente individual
, de um direito arbitrário que se fundamenta na autorização própria ou no privilégio concedido de associações pessoais monopolicamente delimitdas, ou seja, a autonomia das uniões substancialmente estamentais. Por um lado, por uma autonomia formalmente acessível a todo mundo e rigorosamente delimitada por regras jurídicas de 'associações' que podem ser criadas por quaisquer pessoas, e, por outro lado, pelo estabelecimento de autorizações esquemáticas, para qualquer um, de poder criar direito arbitrário na forma de acordos jurídicos privados de determinado tipo. As forças motrizes decisivas dessa mudança nas formas técnicas da criação de direito autônoma eram : politicamente, a necessidade de poder, por parte dos regentes e funcionários de um Estado cada vez mais forte; economicamente, porém - não exclusivamente, mas em maior proporção - , os interesses daqueles que ambicionavam poder no mercado, isto é, dos economicamente privilegiados, em virtude de sua propriedade como tal ('situação de classe'), na luta formalmente 'livre' de preços e de concorrência no mercado, pois, por exemplo, a 'autorização' geral, correspondente a uma igualdade jurídica geral, de que 'qualquer um, sem considerações pessoais', possa fundar uma sociedade por ações ou constituir um fideicomisso significa, naturalmente, a criação de uma espécie de 'autonomia' efetiva das classes possuidoras como tais, já que somente elas podem fazer uso dessa autorização". Na obra "Wirtschaft Und Gesellschaft" ("Economia E Sociedade"), particularmente no capítulo VII, "Rechtssoziologie" ("Sociologia do Direito"), à altura do parágrafo segundo ("As Formas De Criação Dos Direitos Subjetivos"), Max Weber discorre acerca do papel do Direito na sociedade moderna, acrescendo à sua análise o vislumbramento da política versus a economia. O autor descreve o início da História do Direito como sendo marcado pelo dualismo no que diz respeito às normas vigentes no direito das associações : as normas variavam à medida em que variavam as associações. Para ele, no entanto, o advento de relações sócio-políticas mais complexas trouxe consigo a unidade da estrutura jurídica. Tal unidade, porém, não impede a existência de direitos especiais para situações jurídicas especiais, criadas pela diversificação e pluralização das comunidades jurídicas. Tais disposições especiais vincular-se-iam às qualidades técnicas ou econômicas de coisas ou pessoas que, de forma diversa à Idade Média, não são estamentais na modernidade. O Estado Moderno caracteriza-se por alicerçar-se no conceito de da igualdade jurídica, responsável que é, pela unificação do Direito. Este conceito,segundo Weber, emana das chamadas forças racionalizadoras. A menção a forças racionalizadoras, intrínseca à sociologia weberiana, possui aqui um duplo sentido : refere-se tanto à expanção do mercado, como à burocratização da ação estatal. Expressão da primeira é a autorização da inclusão, no mercado, dos economicamente privilegiados em detrimento das demais camadas populacionais e a autonomia das classes possuidoras como tais, já que esta autorização, provinda da igualdade judiciária, só é acessível a todos formalmente. A economia capitalismo, impregnada pelo racionalismo, exige uma base segurança jurídica e garantia legal para a perpetuação do empreendimento. O autor defende que é traço fundamental desta garantia a liberdade de contrato : "Atualmente, o último tipo mencionado de expectativas juridicamente garantidas, as 'autorizações', em sua extensão e natureza, é de especial importância, de modo geral, para o desenvolvimento da ordem econômica. Compreendem dois aspectos. Primeiro, os chamados 'direitos de liberdade', isto é, a simples proteção contra determinadas perturbações por parte de terceiros, e, especialmente, por parte do aparato estatal, dentro do âmbito do comportamento juridicamente permitido (liberdade de residência, de consciência e de disposição sobre uma coisa que constitui propriedade). Além disso, as disposições jurídicas autorizadoras deixam também à discrição dos indivíduos o regulamento autônomo, dentro de determinados limites, de suas relações recíprocas, mediante acordos jurídicos. O âmbito em que este livre-arbítrio é permitido por uma ordem jurídica é o domínio do princípio da liberdade de contrato. A extensão da liberdade de contrato, isto é, dos conteúdos de acordos jurídicos garantidos como 'válidos' pelo poder coativo - a significação relativa, portanto, das disposições jurídicas que 'autorizam' semelhantes atos atos de disposição baseados em acordos jurídicos no interior de uma ordem jurídica - é naturalmente função, em primeiro lugar, de uma ampliação de mercado. Onde predomina a economia fechada, sem troca, o direito tem, naturalmente, muito mais a função de delinear, exteriormente, como complexos de relações jurídicas e mediante disposições imperativas ou proibitivas, as situações em que o nascimento, a educação ou outros processos não puramente econômicos colocam as pessoas, atribuindo, assim, ao indivíduo uma esfera de liberdade, determinada pelo nascimento ou por outros fatores extra-econômicos. 'Liberdade' significa, no sentido jurídico, ter direitos, efetivos e potenciais". A modernidade capitalista instaurou a diferenciação entre a personalidade jurídica da pessoa natural ou física e a personalidade jurídica das associações, distinguindo inclusive, nestas últimas, os bens econômicos, cuja disposição diz respeito à coletividade dos seus membros, daqueles bens que constituem patrimônio privado. Passo de grande amplitude rumo à burocratização da ação estatal o enquadramento do Estado, enquanto ente jurídico, no conceito de pessoa jurídica ou coletiva, o que tornou possível litigar em juízo com o Estado, conforme postulou Max Weber. Diz ele : "Quanto à posição do príncipe estamental da Idade Média, é obvia, considerando-se a estrutura de formações estamentais que ainda examinaremos, a inexistência de uma separação dos bens principescos que servem para fins políticos daqueles que servem para fins privados, bem como a de uma distinção entre o príncipe como soberano e como pessoa particular. Como já vimos, esta inexistência de uma distinção levou ao reconhecimento da possibilidade de processar o rei inglês e o imperador alemão. Precisamente o efeito contrário produziu-se quando as pretensões de soberania livraram o Estado da sujeição à justiça de seus próprios órgãos. Mas, também nestes casos, a técnica jurídica opôs uma resistência relativamente eficaz aos interesses políticos dos príncipes. O conceito de fisco, adotado do direito romano, serviu na Alemanha como meio para construir juridicamente a possibilidade de processar o Estado, tendo, em consequência disso, que servir também como primeiro fundamento da aplicação de direito administrativo propriamente dita - excedendo, assim, de longe, em consequência da concepção estamental tradicional, a área das controvérsias resolvidas pelo direito privado". A sociologia weberiana, investigadora que é das relações entre racionalismo e capitalismo, não exita, pois, em contemplar as forças racionalizadoras do sistema, relacionando-as com o Direito da modernidade.
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