Sociologia
Inovação
O Direito natural dos homens e a revolução: qual revolução?
De acordo com Norberto Bobbio "toda a tradição do pensamento jurídico ocidental é dominada pela distinção entre ?direito positivo? e ?direito natural'". Ainda no período clássico, Aristóteles afirmava que o direito natural tem caráter universal e deve valer em toda parte, já o direito positivo é caracterizado pela particularidade. Alguns descrevem o direito natural como imutável, embora não seja um consenso, enquanto o direito positivo muda com o tempo. Gluck, no fim do século XVIII, afirma que o direito natural é aquele que conhecemos através de nossa razão, esse critério está vinculado a uma concepção racionalista da ética, segundo a qual os deveres morais podem ser conhecidos racionalmente. O direito positivo, ao contrário, é conhecido através de uma declaração de vontade alheia, a vontade do legislador. Os comportamentos regulados pelo direito natural são bons ou maus por si mesmos, enquanto aqueles regulados pelo direito positivo são por si mesmo indiferentes e assumem uma certa qualificação apenas porque foram disciplinados de um certo modo pelo direito positivo, sendo justo aquele que é ordenado, e injusto o que é vetado. Assim, o direito natural estabelece o que é bom, enquanto o direito positivo estabelece aquilo que é útil.
É no século XVIII que o direito natural tem os seus florescimentos mais intensos, em meio a um ambiente personalista, individualista e racionalista. Seus conceitos-base são o estado de natureza, a lei natural (concebida como um complexo de normas que se coloca acima do ordenamento positivo) e o contrato social. O direito natural estará associado ao absolutismo ilustrado em suas pretensões de reformar a sociedade e o Estado. Porém também será usado como arma no movimento revolucionário quando toda esperança de reforma do Estado pelos monarcas estiver desaparecido. Por isso, é importante entender que o direito natural seja em certos períodos tido por útil aos governantes e, em outros, tido por subversivo da ordem.
O direito natural marca a luta contra o sistema medieval de submissão à tradição e aos costumes e, sobretudo contra a ordem pré-liberal, pré-burguesa e pré-capitalista. Por isso a revolução burguesa, francesa ou americana, será travada em termos jusnaturalistas, com a invocação do direito natural como arma de combate, contra o Antigo Regime. Os juristas filósofos do direito natural terão um papel ideológico relevante no processo revolucionário porque justificarão a derrubada da tradição medieval, incorporada seja nas instituições políticas, seja na regulação privada dos negócios.
A Declaração dos Direitos dos Homens de 1789 é um exemplo da filosofia do direito natural moderno incorporada ao discurso político-jurídico:
?Os representantes do povo francês, constituídos em Assembleia Nacional, considerando que a ignorância, o esquecimento ou o desprezo dos direitos do homem são as únicas causas das desgraças públicas e da corrupção dos governos, decidiram apresentar, em solene declaração, os direitos naturais, inalienáveis e sagrados do homem, a fim de que essa declaração, constantemente atual para todos os membros do corpo social (grifo meu), lembre incessantemente os seus direitos e deveres; a fim de que os atos do Poder Legislativo e do Poder Executivo respeitem a possibilidade de serem a cada momento comparados com a finalidade de toda a instituição política; A fim de que as reclamações dos cidadãos, baseados de agora em diante sobre princípios simples e incontestáveis, tenham sempre como resultado preservar a Constituição e a felicidade de todos.?
O documento termina declarando a propriedade ?um direito inviolável e sagrado?, sendo o único direito que mereceu o adjetivo sagrado no texto. Nem os negros, nem as mulheres e em muitos lugares nem mesmo as minorias religiosas ou de outra ordem conseguiram obter direitos iguais, muito especialmente de participação política. A Declaração dos Direitos dos Homens preocupou-se em garantir o direito à liberdade (sobretudo a liberdade à propriedade privada), à igualdade jurídica de todos (de todos que pudessem pagar por ela, uma vez que a burguesia estabeleceu um critério censitário de participação popular) e o direito de resistir à opressão (opressão exercida pelo clero e pela nobreza que colocava obstáculos aos interesses burgueses). Assim fica claro, que a vitória obtida na Revolução Francesa, com a ampla participação popular, foi canalizada para a burguesia, que buscou realizar seu projeto de revolução da forma menos ?revolucionária? possível. Com a abolição dos privilégios feudais, dentre eles os privilégios com base no nascimento, a burguesia consegue derrubar a nobreza e conquistar a hegemonia política que lhe faltava, uma vez que já detinha o poder econômico.
Considerada a maior revolução de todos os tempos, a Revolução de 1789 se encaixa perfeitamente na definição trazida pelo dicionário: ?revolução é o ato ou efeito de revolver(-se), revolucionar(-se); rebelião armada, revolta, sublevação; transformação radical de estrutura política, econômica e social, dos conceitos artísticos ou científicos.? Houve rebelião armada, vide o episódio simbólico da queda da Bastilha, revolta, ruptura da estrutura política com mudança dos status quo, e transformação radical nas esferas econômica, social e cultural. Mesmo assim, foram os interesses de um grupo em particular que foram atendidos. A burguesia criou uma estrutura capaz de lhe assegurar privilégios, e usou-se do direito natural para isso, como fica claro na Declaração dos Direitos dos Homens. Diante disso podemos nos perguntar: que revolução é essa?
Nos dias de hoje, as heranças do personalismo e individualismo do século XVIII mostram-se cada vez mais presentes. São inúmeras as ?revoluções? que visam à concretização dos interesses de uma minoria, defendendo direitos particulares, que criam privilégios, e nada tem de livre, igual e fraterno. É difícil encontrar solução para uma sociedade, na qual a maioria das pessoas se mostra indiferente aos problemas que a cerca, ignorando as gritantes desigualdades que se acentuam, dia após dia. Mas preocupante ainda é ver que os seus ?revolucionários? estão engajados em causas próprias, ocupando seu tempo com reinvindicações em defesa de questões isoladas. De exemplos como esses a história está cheia, já passou da hora de inovar.
loading...
-
Direitos Violados
Ao abordar a questão do direito natural dos homens, Weber retorna a um principio que possibilitou a racionalização dos direitos imanentes dos cidadãos. Apesar de haver múltiplos aspectos que entravam essa racionalização, tais como religião ou...
-
Revolucionários? "nunca Serão!"
É fácil observar a presença dos ideais do Direito Natural dentro dos movimentos revolucionários. Os movimentos do Iluminismo, da Independência Americana, da Revolução Francesa e todos os demais estiveram sempre cercados por ideais como a liberdade...
-
Por Uma Revolução Universal Que Transforma
É muito comum encontrarmos pessoas que lutam por mudanças, por revoluções e também ouvirmos diversos movimentos sociais que desejam a transformação de aspectos da sociedade. Temos como exemplo: Movimentos Estudantis (como o ocorrido aqui no Brasil...
-
De Ferramenta De Extrema Importância Para Um Mero Adereço Individual
Tema: O direito natural dos homens e a revolução: qual revolução? O termo Direito natural é entendido como algo que sempre pertenceu e pertencerá aos homens por natureza, algo que caminha junto com a sua existência e dele jamais poderá ser tirado,...
-
O Disfarce De Uma Revolução
Weber nos remete a discussão acerca do Direito natural dos homens aliado às possibilidades e caminhos da racionalização do Direito, nos colocando diante do dilema de como se comporta o Direito a partir do embate entre o sentimento de justiça espontâneo...
Sociologia