Torcidas e soberania popular, por João Gilberto Lucas Coelho *
Sociologia

Torcidas e soberania popular, por João Gilberto Lucas Coelho *




É grave a confusão feita entre soberania popular e reações coletivas instantâneas, ocasionais ou sob forte emoção.

A melhor cultura democrática exige que eleições, plebiscitos e referendos sejam cercados da garantia de exposição equilibrada das posições divergentes que possibilitem a reflexão, para ser legítima a manifestação da soberania popular. Em vários países, após a campanha eleitoral ainda existe um curto período de silêncio para proteger a decisão do eleitor.

Mesmo assim, até mesmo o fundamental instituto do plebiscito já foi utilizado por ditadores para ratificar suas decisões, realizando consultas sob clima emocional ou com restrições à oposição.

Muito diferente de soberania popular é a reação ?de manada?, como referem estudiosos, de massas ensandecidas ou sob forte impacto momentâneo, muito comum nos estádios de futebol, mas presente até mesmo em certas pesquisas de opinião realizadas imediatamente após eventos de grande comoção e ainda não esclarecidos plenamente.

Dizer que a multidão, a torcida ou a massa sempre têm razão é, no limite, justificar o linchamento, a mais cruel manifestação coletiva.

Este alerta tem de ser feito porque cresce a tendência de vincular comportamento dos meios de comunicação, decisões de entidades diversas e até políticas públicas a meras aferições instantâneas da ?opinião pública?, sem dar a esta o pleno conhecimento das alternativas e a oportunidade de avaliar ônus e bônus de cada uma ou consequências futuras.

Sinto na cultura atual uma tolerância a certas reações grupais que podem virar perigosos incêndios. Justificam-se ou até se incentivam excessos de torcidas como vaiar o próprio time, ofender e agredir jogadores e técnicos. Daí a demolir um estádio, ferir ou matar, é um passo, ainda mais numa sociedade com crescentes sinais de violência. Elogia-se que torcedores exijam que seu time entregue um jogo, ferindo as regras do esporte, com a mesma veemência com que se critica a corrupção noutros setores... Isso seria, no esporte, o mesmo que, na política, a ideologia do ?rouba, mas faz?.

O episódio recente de Curitiba é um alerta geral. Clama por maior cuidado ao lidar com as emoções coletivas, porque o vírus da violência está inoculado entre nós.

Também serve para refletirmos que uma coisa é a vontade popular em processos deliberativos com garantida informação, comparação de opções e oportunidade de reflexão, fundamento da verdadeira democracia. Outra coisa, bem diferente, é a reação de manada, sob forte emoção e irracionalidade, de grupos ou multidões. Ou a opinião pública momentaneamente emocionada e ludibriada, como no caso do menino que estaria sozinho num balão que abalou os Estados Unidos e era apenas mais uma jogada de marketing na sociedade do espetáculo em que vivemos.



* Advogado, ex-deputado federal
Fonte: Jornal Zero Hora 
Imagem: http://www.ncpam.com/2008_06_01_archive.html



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