Sociologia
O Direito na questão transexual e a racionalização formal x material
Há um debate recorrente na sociedade brasileira sobre o qual se conveio denominar ?judicialização da política?. Seria uma disposição dos tribunais visando à expansão do escopo das questões sobre as quais devem formar jurisprudência. A maior crítica à prática é que esta interferiria na autonomia entre os três poderes: legislativo, executivo e judiciário, visto que tais decisões tomadas pelos tribunais superiores se tornam vinculantes e muitas vezes dispõem sobre matéria ainda não regulada em lei. O poder do legislativo como legítimo criador de leis é claro, porém a sociedade exige uma postura dos magistrados quando há lacunas na lei. O dispositivo está inclusive na Lei de Introdução Brasileira. O Art. 4o da referida lei diz: ?Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito?. No caso dos direitos dos transexuais, como não há legislação específica em vigor, o que poderia ser visto como ?ativismo judicial?, torna-se uma necessidade que os juízes decidam quanto às suas demandas. Destarte, são cada vez mais comuns as decisões favoráveis à mudança de nome no registro civil por transexuais operados.
Entra-se na questão formal X material da lei. Para Weber, toda decisão jurídica deve ser a aplicação de uma disposição jurídica abstrata a um caso concreto e com os meios da lógica jurídica deve-se encontrar uma decisão a partir daquelas disposições vigentes. O direito objetivo deve constituir um sistema sem lacunas ou contê-lo em estado latente e para ser legítimo não pode contradizer a razão. A modernidade do autor seria a construção de dinâmicas de racionalização, formal e material. O modo pelo qual as classes que se revoltam contra a ordem legitimam a criação de um novo direito, com suas conquistas materiais sendo aceitas no campo formal. Porém, o processo é demorado e incerto. Há pressão contra e a favor das reivindicações de cada grupo que pleiteia uma parcela de direitos e poder.
No caso da pessoa transexual que pleiteou cirurgia de mudança de sexo, alteração de registro civil, constando novo nome e sexo masculino alterado para feminino através de tutela antecipada na comarca de Jales, o magistrado deferiu o pedido. Dentre as justificativas estão o posicionamento do Conselho Federal de Medicina, possibilitando a cirurgia de transgenitalização respeitados os procedimentos exigidos e a garantia dos direitos humanos fundamentados na constituição. Apesar do direito formal não prever como resolver a questão, o juiz utilizou-se dos mecanismos que a legislação dispõe.
O magistrado critica a ?padronização capitalista?. Os padrões que a sociedade capitalista produz para administrar a vida costumam ser rígidos e rejeitar o que destoa do padrão tecnológico. Dar direitos aos transexuais seria, ao modo de ver do nosso sistema, perigoso. Esse absurdo conveniente para uma classe privilegiada, não disposta a compartilhar a liberdade da qual desfruta é combatido pelo juiz de Jales. Ao permitir que um transexual viva em plenitude a sua vida, dá-lhe liberdade. Por que impedir que uma pessoa que não se sente pertencente ao gênero a qual a sociedade a classifica mude para outro que lhe satisfaça? Justifica-se, para indeferir semelhante pedido, o art. 13 do Código Civil: ?Salvo por exigência médica, é defeso o ato de disposição do próprio corpo, quando importar diminuição permanente da integridade física, ou contrariar os bons costumes?. Contudo, a medicina e a psicologia já consideram a necessidade de mudança de sexo para que os pacientes que desejam a transgenitalização vivam plenamente.
Von Jhering lembra que o Direito é uma constante luta. A necessidade de renovação das leis atendendo às demandas da sociedade sobre a qual agem é consenso entre os juristas e faz parte do papel do legislador. Além de legal, o poder deve ser legítimo. Logo, o direito está em contínua mudança para cumprir as expectativas dos cidadãos do Estado.
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